Rússia deixa negociações do programa nuclear do Irão suspensas indefinidamente

Negociadores tinham um texto pronto depois de 11 meses de trabalho, disse o responsável pelas relações externas da UE, Josep Borrell. Moscovo pediu garantias de que as suas relações com o Irão não seriam afectadas pelas sanções à Rússia por causa da invasão da Ucrânia.

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Ali Bagheri Kan, o negociador iraniano para as conversações de Viena, poderá pressionar Moscovo a mudar a sua posição. A alternativa é um acordo sem a Rússia EPA/CHRISTIAN BRUNA

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Depois de 11 meses de avanços e recuos, as delegações que se reúnem regularmente em Viena tinham, finalmente, um texto quase final para um acordo, e tudo parecia tão certo que já estava a ser erguido um palanque no hotel em que estão a decorrer as conversações, relataram diplomatas envolvidos.

Mas uma exigência de última hora da Rússia está a pôr tudo em causa, em mais uma consequência da guerra da Ucrânia: Moscovo quer que as suas relações comerciais com o Irão não sejam afectadas pelas sanções de que está a ser alvo por causa da invasão, algo que os Estados Unidos dizem ser impossível de considerar.

O medo agora é que a invasão russa da Ucrânia leve Moscovo a não ceder, e diplomatas temem que as conversações estejam, de facto, reféns da guerra na Ucrânia, escreve o Washington Post.

“Devido a factores externos, foi preciso fazer uma pausa nas conversações de Viena”, disse o responsável pelas Relações Externas da UE, Josep Borrell. “Há um texto final basicamente pronto na mesa”, lamentou, sem se referir às exigências russas.

O acordo era dado como certo, como dizia o professor de Estudos do Médio Oriente e Política Internacional na Universidade John Hopkins Vali Nasr, numa entrevista ao PÚBLICO: “O Irão quer um acordo antes do Ano Novo iraniano”, a 22 de Março. “Os EUA também.”

O analista Trita Parsi comenta a “grande surpresa” que a notícia provocou, mas diz que esta pode não ser, ainda, a morte do novo acordo, pondo a hipótese de que a Rússia possa estar a usar estas novas reivindicações como meio de pressão no momento, e que as flexibilize, usando o adiamento do acordo “num ponto crucial da vulnerabilidade de Washington a preços altos do petróleo”.

O Irão deverá agora pressionar Moscovo para flexibilizar as suas exigências, diz o Post. Mas, por outro lado, já deixou claro que o país não pode arriscar-se a alienar a Rússia, segundo um diplomata envolvido nas conversações citado pelo jornal.

O Irão tem duas hipóteses, e nenhuma é boa, diz Parsi: “Aceitar o fim potencial do acordo e as sanções, ou tentar um acordo potencial com os Estados Unidos fora do quadro” das actuais conversações, que incluem Reino Unido, França, Alemanha, China, Rússia e Irão e EUA de forma indirecta (o Irão tem recusado conversações directas com a delegação norte-americana).

“Penso que ainda há uma via aberta para fazer reviver o acordo, dado que os Estados Unidos e o Irão parecem estar de acordo” disse à agência Reuters Henry Rome, analista especializado em Irão no grupo Eurasia. “Mas vai ser preciso uma dose de criatividade e flexibilidade para encontrar um modo de trabalhar com, ou mais provavelmente, contornando, Moscovo.”

“Como coordenador vou continuar em contacto com todos os participantes e com os Estados Unidos para ultrapassar a situação actual e fechar o acordo”, declarou ainda Borrell.

A Rússia tem um papel chave no acordo, já que é responsável pelo armazenamento do excesso de stock de urânio enriquecido no Irão.

A anexação russa da Crimeia e o apoio aos separatistas do Donbass de 2014 não tiveram efeito na assinatura do acordo para o nuclear iraniano, lembra Parsi. O acordo foi assinado em 2015 pelo então Presidente norte-americano, Barack Obama, mas o Presidente seguinte, Donald Trump, retirou os EUA do acordo, voltando a impor sanções ao Irão e tornando-o ineficaz: Teerão passou a aumentar os limites estabelecidos de produção de urânio enriquecido para um ritmo em que se teme que possa chegar a uma quantidade suficiente para ter uma arma nuclear em pouco tempo.

Ainda em Dezembro, a Administração norte-americana dizia que era urgente chegar a um acordo com o Irão antes de este ponto ser ultrapassado, e que o horizonte para as negociações resultarem era de “semanas”. O medo é que uma nova pausa prolongada possa fazer com que o Irão ultrapasse entretanto este ponto de não retorno.