Rússia alarga ofensiva ao Ocidente para travar linhas de reabastecimento ucranianas

Vários bombardeamentos visaram aeródromos próximos das fronteiras ucranianas com os países aliados, a partir de onde têm chegado armas. Moscovo vai engrossar fileiras com “voluntários” do Médio Oriente.

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Serviços de emergência ucranianos num dos alvos do bombardeamento em Dnipro Reuters

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Os primeiros ataques da ofensiva russa na Ucrânia visaram bases áreas: muitos dos alvos foram atingidos, mas não destruídos, e Moscovo, com força aérea significativamente superior à ucraniana, ainda não conseguiu impor a sua supremacia nos céus. Esse objectivo era essencial para permitir um avanço rápido das colunas mecanizadas no terreno, unidades que acabaram expostas aos ataques ucranianos. Para explicar os desaires russos, especialistas militares e serviços secretos ocidentais têm sublinhado ainda a aparente falta de coordenação e de liderança, enquanto vários relatos de soldados capturados pela Ucrânia mostram que muitos pensavam ter sido mobilizados para exercícios.

Esta sexta-feira, pela primeira vez em vários dias, houve bombardeamentos em zonas até aqui longe das linhas da frente, incluindo contra aeroportos e outras estruturas militares de aviação. Alguns aconteceram na região ocidental da Ucrânia. Ao mesmo tempo, Vladimir Putin, fez saber que aprova que milhares de combatentes do Médio Oriente se unam às forças na Ucrânia: o ministro da Defesa, Sergei Shoigu, precisou que 16.000 “voluntários” estão prontos para lutar no Donbass. Esta notícia surge depois de o porta-voz de Shoigu, Igor Konashenkov, ter admitido que há conscritos – a cumprir o serviço militares obrigatório – em combate na Ucrânia, e não apenas soldados profissionais, como Putin garantira.

Os novos raides parecem ter dois objectivos; por um lado, neutralizar as defesas ucranianas em antecipação de avanços de infantaria; por outro, dificultar o transporte de armamento e outro material que tem entrado na Ucrânia a partir dos países aliados vizinhos, membros da NATO e da União Europeia, nomeadamente da Polónia. Vários analistas militares já tinham notado com surpresa que os russos ainda não tinham tentado atacar estes “corredores”, sugerindo que evitavam fazê-lo por receio de atingir directamente “rotas de reabastecimento ocidentais”, o que poderia implicar uma escalada no conflito.

“O que eles estão a fazer, na minha opinião, é impedir ou prepararem-se para impedir o maior número possível de abastecimentos que vêm do Ocidente para a Ucrânia”, afirmou à CNN Cedric Leighton, coronel e analista militar norte-americano, notando que os aeródromos atacados estão entre os mais próximos da fronteira com a Polónia, Eslováquia e Hungria.

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Depois de 15 dias com as tropas russas focadas em Kiev, a norte; nas cidades portuárias junto ao mar Negro e perto da Crimeia; e na região do Donbass, imediatamente a leste, onde se situam as províncias separatistas de Donetsk e Lugansk, a madrugada de sexta-feira ficou marcada por explosões em Lutsk (Noroeste), a menos de 90 quilómetros da Polónia; Ivano-Frankivsk (Sudoeste), uns 250 quilómetros a sul e a 153 quilómetros da Roménia; e Dnipro (Centro), nas margens do rio Dniepre, o maior curso de água do país – Kherson, a primeira grande cidade ocupada pelos russos, no dia 3, fica estrategicamente localizada na foz deste rio.

O ataque contra Lutsk foi o terceiro desde o início da ofensiva e teve como alvo a base militar da cidade e o seu aeródromo. De acordo com o chefe da administração regional de Volin (de que Lutsk é a capital), Iuri Pohuliaiko, os bombardeamentos mataram quatro militares ucranianos e fizeram seis feridos. “Quatro mísseis foram disparados contra o aeródromo militar de Lutsk por um bombardeiro russo”, confirmou Pohuliaiko na rede social Telegram. Pouco depois, “três poderosas explosões”, segundo a descrição do assessor do Presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, sacudiam Ivano-Frankivsk. De acordo com o porta-voz do Ministério da Defesa russo, Igor Konashenkov, foram usadas armas “de longo alcance e com alta precisão” que deixaram os aeródromos militares das duas cidades “fora de acção”.

Já em Dnipro, cidade de um milhão de habitantes que nunca tinha sido atacada, o alvo terá sido um complexo industrial, mas os serviços de emergência dizem que os “três raides aéreos” atingiram ainda “uma creche, um imóvel residencial e uma fábrica de calçado” e provocaram um morto.

Ganhar mobilidade

A localização da quarta maior cidade da Ucrânia, junto ao rio Dniepre, sugere que os russos querem fixar-se num local que lhes dê grande mobilidade, ao mesmo tempo que poderão travar o reabastecimento das tropas ucranianas envolvidas nos confrontos na região de Mariupol, no mar de Azov e perto de Donetsk (da parte que escapa ao controlo dos separatistas), e em todo o Leste. O Dniepre marca precisamente a separação entre o Leste e o Oeste do país. Ao mesmo tempo, diz Leighton, a partir daqui os russos poderão “mover forças do Sul, do Nordeste e, depois de ocuparem a cidade, podem deslocar essas forças até ao vale do rio e em direcção a Kiev”.

Em redor de Kiev, a muito noticiada e gigantesca coluna militar (que terá chegado a ter mais de 60 quilómetros de comprimento) que há uma semana parecia parada, está a dispersar para zonas de florestas nas imediações da capital, aparentemente para se reagrupar noutros pontos da região, a partir das quais se acredita que seja lançada nova ofensiva sobre Kiev. De acordo com novas imagens de satélite partilhadas pela empresa norte-americana Maxar Technologies, os tanques, blindados e artilharia que a compõem terão sido “amplamente redistribuídos”.

Estas movimentações são vistas pelo Governo ucraniano como antecipando o inevitável assalto à capital. Londres concorda: o Ministério da Defesa do Reino Unido refere que a Rússia está “provavelmente a procurar redefinir e reposicionar as suas forças para uma actividade ofensiva renovada nos próximos dias” que provavelmente “incluirá operações contra a capital, Kiev”.

Mas os analistas militares estão divididos: alguns acreditam que estas manobras assinalam um assalto iminente, outros vêem apenas esforços para conduzir as tropas até posições mais protegidas. Isto um dia depois de serem divulgadas imagens de um ataque de um drone ucraniano que mostram a confusão lançada numa coluna de tanques russos atacada em Brovari, um subúrbio a leste da capital. Segundo o Ministério da Defesa de Kiev, as forças russas “sofreram perdas significativas em pessoal e equipamento”, sendo forçadas a retirar. Certo é que face aos sucessos ucranianos nos ataques “às linhas de abastecimento”, nota Thomas Bullock, analista da empresa de defesa Janes ouvido pela CNN, os russos “começam a reorientar as suas forças para uma guerra mais longa”.