Harmonia, subtileza e surpresa: nada se compara a um menu kaiseki
Uma das possíveis explicações de umami, o famoso quinto sabor, é o tempo que perdura na nossa memória um sabor invulgar e difícil de descrever, mas que quase sempre junta notas doces e ácidas. E para se sentir isso, nada como experimentar um menu kaiseki. Não é uma aventura barata, mas toda a gente deveria vivê-la pelo menos uma vez na vida.
Entre todas as gastronomias deste mundo, nenhuma nos dá tanto prazer e tanto desgosto como a japonesa. Com algum jeito, tempo e desperdício de ingredientes, fazemos uns raviolis aveludados e finalizados em manteiga e sálvia, preparamos uma bouillabaise, uma tajine aceitável ou um leite de tigre que não envergonha uma amiga peruana que anda por cá e que meteu na cabeça que vai instalar um olival na terra dela com variedades portuguesas (ainda há gente com bom gosto), mas entrar no mundo milenar, subtil e misterioso das comidas japonesas faz-nos sentir brutos e incompetentes. Amanhar um peixe ainda é como o outro, cortar umas fatias mal-amanhadas de sashimi, idem, sendo que preparar um arroz comestível é só uma questão de deitar fora os primeiros 100 quilos, mas a partir daqui o melhor é esquecer. E, claro, quando o assunto é kaiseki, insistir nessa arte é o mesmo que tentar aprender piano na expectativa de que um dia conseguiremos imitar vagamente o Glenn Gould na interpretação das Variações Goldberg. De maneira que a nossa tese é a seguinte: vale mais a pena fazer um mealheiro anual para visitar um mestre kaiseki de renome (com 300€ já se faz a festa), memorizar o significado de termos como sakizuke, mukozuku, zukiri, yakimono, suimono, shokuji, mizugashi ou yogashi do que passar quatro horas na cozinha à espera que um caldo clarificado nos revele por milagre esse misterioso quinto sabor que é o umami.