Para a UE, adesão não pode rimar com corrupção

A Ucrânia, um dos países mais pobres e mais corruptos da Europa, não cumpre os critérios de elegibilidade para a adesão à UE, mas cinco dias depois da invasão do país pela Rússia, o Presidente Volodimir Zelensky pediu aos líderes que lhe abrissem a porta. Geórgia e República da Moldova foram atrás.

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Volodimir Zelenskii assinou um pedido formal de adesão da Ucrânia à União Europeia EPA/PRESIDENTIAL PRESS SERVICE HANDOUT

Do trio de antigas repúblicas soviéticas que por causa da agressão militar da Rússia apressaram a entrega de pedidos de adesão à União Europeia, a Ucrânia é aquela que tem a pior posição no índice de percepção da corrupção publicado anualmente pela Transparência Internacional: com 32 pontos em 100, o país ocupa a 122.ª posição numa lista de 180 Estados, na classificação relativa ao ano de 2021.

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Do trio de antigas repúblicas soviéticas que por causa da agressão militar da Rússia apressaram a entrega de pedidos de adesão à União Europeia, a Ucrânia é aquela que tem a pior posição no índice de percepção da corrupção publicado anualmente pela Transparência Internacional: com 32 pontos em 100, o país ocupa a 122.ª posição numa lista de 180 Estados, na classificação relativa ao ano de 2021.

A corrupção no país é um fenómeno transversal na Ucrânia, assinalam a Transparência Internacional e outras organizações internacionais, que detectam a sua marca no aparelho político e económico do país, mas também nos serviços de segurança ou no sistema judicial — no final de 2020, foi o Tribunal Constitucional do país quem derrubou uma reforma legislativa anti-corrupção, pondo em risco a assistência económica ao país vinda da UE ou do FMI.

No ranking sobre a democracia elaborado pela revista The Economist, a Ucrânia é descrita como um regime híbrido. A influência e controlo político e económico dos oligarcas ucranianos também já valeu a denúncia dos Repórteres Sem Fronteiras, que frequentemente chamam a atenção para a falta de independência e os riscos para a liberdade de imprensa no país.

A situação na República da Moldova (ex-Moldávia) é ligeiramente melhor, mas ainda assim o país está na metade inferior da tabela da Transparência internacional, na 105.ª posição, com uma classificação de 36 pontos — superior, por exemplo, aos 35 pontos da Albânia, que já beneficia do estatuto de país candidato à adesão, mas ainda aguarda luz verde para a conferência inter-governamental que põe o processo em marcha.

No seu relatório, a Transparência Internacional dá conta do “optimismo” na sequência da eleição de Maia Sandu para a presidência da República da Moldova, no final de 2020, seguida da vitória do seu Partido Acção e Solidariedade nas legislativas de Julho de 2021, com uma maioria absoluta. “O Governo precisa agora de cumprir as suas promessas de reforma do sistema judicial e despolitização dos organismos anti-corrupção”, recomendou a TI.

A Geórgia é, do grupo dos aspirantes, o país melhor classificado no índice da Transparência Internacional: tem uma pontuação de 55 e aparece na 45.ª posição da lista, à frente de Estados-membros como a Hungria e a Bulgária. No entanto, lê-se nas conclusões do estudo, “a concentração de poder é uma preocupação substantiva na Geórgia”, onde “a influência do fundador do partido no governo, Bidzina Ivanishvili, se enquadra na definição de captura do Estado”.

No ano passado, a média global do índice da Transparência Internacional fixou-se nos 43 pontos, um ponto acima da classificação da Bulgária, o país da UE onde o nível de percepção da corrupção é mais elevado. Pertencem também à UE os países que ocupam os primeiros lugares da lista, Dinamarca e Finlândia (ambos com 88 pontos). A avaliação de Portugal é de 66 pontos, que colocam o país na 32.ª posição, um lugar acima da vizinha Espanha.

Observadores, comentadores políticos e dirigentes europeus coincidem na análise de que é precisamente o mau desempenho de alguns dos Estados-membros que puderam juntar-se à União nas sucessivas vagas de alargamento a Leste que justifica a actual resistência à expansão já prevista até aos Balcãs Ocidentais. A corrupção na Bulgária ou na Roménia, a par do “desafio” da Polónia e da Hungria às regras do Estado de direito, têm servido de argumento para o Presidente de França, Emmanuel Macron, falar numa necessidade de “consolidação política” do bloco e numa revisão da “metodologia” da política de alargamento.

O impasse em que caíram as negociações de adesão dos actuais candidatos é reveladora da falta de apetite político para uma nova expansão do clube, que inevitavelmente alteraria o equilíbrio das forças políticas em Bruxelas e tornaria a gestão das instituições europeias ainda mais complicada.

Atrasar é a estratégia

Antes da guerra, a fragilidade das instituições ucranianas, exposta no índice da Transparência Internacional e outros relatórios, justificava a posição cautelosa tanto de Bruxelas quanto de Kiev, nas conversas sobre o alargamento. Os 27 nunca negaram uma “perspectiva europeia” à Ucrânia, mas sempre deram a entender ao Governo de Kiev que a entrada no clube estava muito para além da linha do horizonte (onde se vislumbram, ainda ao longe, os seis candidatos dos Balcãs Ocidentais).

A invasão do país pela Rússia veio provocar uma aceleração política. Obviamente, os líderes europeus não podem agora dizer à Ucrânia, um país que está a ser devastado diariamente pelas forças invasoras russas, que deve primeiro resolver os seus problemas endémicos de corrupção antes de vir reclamar o estatuto oficial de candidato à adesão.

Por isso, a mensagem que Bruxelas tem procurado transmitir é ambígua: a Ucrânia conta com a solidariedade e apoio de todos os Estados-membros, uma vez que faz parte da “família europeia”, repetem todos os líderes, que logo na frase seguinte lembram que a entrada no clube exige o cumprimento de determinadas regras — afinal, a União é um projecto político, uma comunidade de valores, mas acima de tudo uma organização jurídica, baseada em tratados e num acervo de 88 mil páginas (o famoso “acquis”) de textos legislativos, que são escrupulosamente executados por uma máquina burocrática de 30 mil funcionários.

É verdade que os procedimentos para a adesão de um país à UE estão regulamentados e prevêem que os candidatos cumpram um grande número de condições, como bem lembram todos os dirigentes europeus, quando questionados sobre o pedido avançado pelo Presidente Volodimir Zelensky dias depois da invasão das tropas russas. O que habilidosamente se têm esquecido de dizer é que na génese desse processo está uma decisão política do Conselho Europeu, onde está longe de existir a obrigatória unanimidade.

O artigo 49.º do Tratado da União Europeia diz que “qualquer Estado europeu que respeite os valores referidos no artigo 2.º e esteja empenhado em promovê-los pode pedir para se tornar membro da União”. Com a apresentação do pedido, cumpre-se a primeira etapa do processo: seguem-se a candidatura, as negociações e finalmente a adesão. Para avançar para a segunda fase, é precisa uma recomendação positiva da Comissão, o acordo do Conselho Europeu e a aprovação do Parlamento Europeu.

O principal critério de elegibilidade — e de avaliação do “mérito” de qualquer pedido — é a existência de instituições estáveis e capazes de garantir a democracia no país. Outro critério diz respeito à integridade territorial e à inexistência de disputas com os países vizinhos. No actual quadro, não há condições para uma apreciação objectiva da estabilidade das instituições e das fronteiras ucranianas: ganhar tempo parece ser a melhor opção, e mesmo que alguns Estados-membros (um grupo liderado pela Polónia e a Eslovénia) defendam uma resposta rápida a Kiev, a maioria quererá atrasar tanto quanto possível uma decisão para conceder o estatuto de candidato.

Depois disso, começa um processo ainda mais demorado, em que a Comissão define o quadro para as negociações e inicia as conversações sobre as reforma que o Estado candidato terá de promover se alinhar com os standards do bloco. A metodologia define 35 capítulos divididos em seis grupos: princípios e valores fundamentais; mercado interno; competitividade e crescimento económico; agenda verde e conectividade sustentável; recursos, agricultura e coesão; e relações externas.

Durante esse período, o candidato já tem acesso ao financiamento comunitário, através do Instrumento de Assistência de Pré-Adesão (IPA), que apoia as reformas políticas, económicas e sociais que lhe são exigidas. O envelope deste programa, no quadro financeiro plurianual de 2021-27, ascende aos 14,2 mil milhões de euros, que actualmente são distribuídos pela Albânia, Bósnia-Herzegovina, Kosovo, Montenegro, Macedónia do Norte, Sérvia e Turquia. A eventual divisão deste bolo preocupa Bruxelas e as capitais dos países candidatos. A Ucrânia tem o segundo PIB per capita mais baixo da Europa (só a República da Moldova é mais pobre).

As conversações procedem de forma sequencial, em que um novo capítulo só começa a ser negociado após o encerramento do anterior. E o primeiro de todos é o mais difícil: tem a ver com o quadro institucional, os direitos fundamentais e o sistema judicial. Não há nenhum prazo previsto para o fim destas negociações — no caso da Croácia, o último país a entrar no clube, demoraram oito anos.

Quando todos os 35 capítulos são encerrados satisfatoriamente — isto é, quando se considera que o país é capaz de cumprir o acervo comunitário —, é redigido um tratado de adesão, que tem de ser ratificado pelo Conselho Europeu, o Parlamento Europeu e todos os parlamentos nacionais.