Adoro adolescentes
Não queria nada ficar tão presa à ideia de que a adolescência “tem de ser difícil” que não me sobrasse capacidade para ficar grata por, finalmente, poder comprar-lhes roupas e sapatos que me vão servir também a mim!
Mãe,
A verdade faz-nos mais fortes
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Mãe,
Vou escrever esta carta agora porque à medida que as minhas filhas vão entrando na adolescência posso mudar de ideias e quero que esta minha declaração fique já gravada a ferro e fogo, e guardada em segurança: Adoro adolescentes. Fascinam-me. São bem mais interessantes e faladores do que como são retratados nos filmes, pelo menos com pessoas que não os seus próprios pais! É claro que quando estou com eles lá se vai a ilusão de que ainda tenho 16 anos (mãe, isto passa? Suspeito que não), e é verdade que sinto um certo choque quando tomo consciência de que aos seus olhos sou já de outra geração, mas fora isso, é perfeito.
Talvez por não ter vivido uma adolescência típica (é o que dá aos 16 anos começar a namorar com um homem 13 anos mais velho!) e, eventualmente, por não serem meus filhos, diverte-me o seu entusiasmo com as saídas à noite, com as primeiras paixões.
Por isso, mãe, faz o favor de me lembrar de tudo isto daqui a uns anos? Não queria deixar que a inevitável angústia de as ter mais tempo longe da vista e de não “controlar” o que pode correr mal à sua volta, somado a algum natural afastamento da intimidade tão boa que temos agora, me toldasse totalmente a visão.
Não queria nada ficar tão presa à ideia de que a adolescência “tem de ser difícil” que não me sobrasse capacidade para ficar grata por, finalmente, poder comprar-lhes roupas e sapatos que me vão servir também a mim!
Mas já que estamos neste assunto, e para me ir mentalizando, da sua experiência, quais são as cinco coisas mais difíceis e as cinco melhores de ter filhos adolescentes?
Ana,
Antes de irmos ao top 5, deixa-me corrigir-te: podes não ter 16 anos, mas não saíste (felizmente) completamente da adolescência. Se alguma coisa aprendi com a idade é que estamos sempre a entrar e a sair de lá, para o bem e para o mal. O que bem aproveitado é uma enorme vantagem, porque se puxarmos pela memória, mais recente ou mais distante, refrescando-a com a leitura de diários e cartas, torna-se muito mais fácil sentir empatia para com os adolescentes. E vamos precisar dela, porque, tal como tu, também gosto muito deles, também os acho cheios de vida, de graça, de energia e deslumbramento, mas prefiro os que não vivem permanentemente debaixo do meu tecto.
Agora sim, posso continuar.
Vamos lá começar pelas mais difíceis:
1. O tom de desprezo. Como se os pais fossem uns atrasados mentais, saídos do tempo das cavernas, que não sabem nada e, o pouco que sabem, já estivesse desactualizado. Os próprios pais, claro, porque para eles os pais dos outros são muito mais abertos, liberais, deixam tudo e não chateiam.
2. Os monossílabos. Falam e dedilham com os amigos, mas respondem com o mínimo de palavras possíveis a qualquer tentativa de conversa. A não ser que precisem de nós sob a forma de Uber ou Multibanco.
3. O aparente desinteresse. Tudo o que não é uma seca, é uma seca! Garantem que se levantam e deitam, estudam ou arrumam o quarto, vão visitar a avó ou fazer um recado à tia, simplesmente para fazer um favor aos pais. Cabe aos pais explicar-lhes que, obrigadinha, mas já têm curso, emprego, amor e amigos, e que a responsabilidade de se fazerem à vida é deles. Mas a sensação com que se fica é que, aparentemente, tudo isto lhes entra por um ouvido e sai por outo.
4. Mães bodes expiatórios para tudo, desde o desaparecimento da T-shirt que queriam usar naquele momento à má nota no teste, passando pelo facto do anticiclone dos Açores não estar no sítio certo. Tudo é nossa culpa.
5. Atirarem a matar. Pode não ser por mal, mas conhecem as nossas vulnerabilidades e sabem atirar a matar. Às vezes, magoam. Mas aí salta-nos a tampa (ou devia saltar), o que pode ser bom, porque quando a fúria é genuína impomos limites sem hesitações. E, se queres que te diga, para eles é um alívio. Magoar alguém que amamos (e eles amam-nos), também nos magoa, e a oportunidade de reparar o mal que fizemos, sossega.
Agora as boas notícias:
1. Humor e cumplicidade. Nada nos deixa mais felizes do que ver como se tornaram espertos, inteligentes, solidários e divertidos. Quando conseguimos passar com eles uma tarde às compras, a fazer uma viagem (curta!), ou envolvidos num mesmo projecto, capazes de nos rirmos uns dos outros e de nós mesmos. É o paraíso.
2. Dormem até mais tarde. Pelo menos para mim, que detesto madrugadas. Claro que, depois, chega o momento em que não os conseguimos tirar da cama, mas isso fica para outro dia...
3. Os amigos deles. É tão bom quando trazem os amigos para casa, sobretudo o nosso grupinho favorito, e enchem tudo de risos e nos deixam — durante um bocadinho — entrar no jogo. Do meu quarto ouvia as vossas vozes a conversarem até de madrugada, e sabia-me tão bem. Alguns tornam-se quase nossos filhos, e vamos seguindo as suas vidas para sempre.
4. Apaixonam-se. Comove-me tanto vê-los apaixonados. Numa primeira fase é mais para benefício da coesão do grupo de melhores amigas/os, do que outra coisa — as dúvidas do gosta, não gosta, a interpretação de todos os gestos e palavras. Depois, um dia, é a paixão a sério. Ficam tão luminosos. E, enquanto a coisa corre bem, pelo menos, tornam-se mais afáveis com o mundo.
5. Abrem-nos horizontes. Envelhecemos mais devagar quando somos capazes de ir vendo a realidade pelos olhos deles. E eles estão dispostos a partilhá-la, se os deixarmos falar sem nos armarmos em sabichões que lhes cortam constantemente a palavra.
Ai, abriste-me o apetite para falar de adolescentes. Lembras-te da minha Adolescentes, Manual para Pais, que nasceu depois da Pais e Filhos? Acho que vou voltar a lê-la para me inspirar.
No Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Mas, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram.