BCE acelera fim das compras de dívida, mas mantém “flexibilidade”

No final da primeira reunião do conselho de governadores desde o início do conflito militar na Ucrânia, Christine Lagarde mostra estar focada em controlar a inflação, mas garante que, no actual cenário de incerteza, todas as opções de política monetária estão em aberto.

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Christine Lagarde, presidente do BCE Reuters/POOL

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Colocados perante o dilema de, na nova conjuntura trazida pela guerra, apoiarem o crescimento na zona euro ou travarem a escalada da inflação, os responsáveis do Banco Central Europeu (BCE) mostraram estar, para já, mais preocupados com a subida de preços, decidindo acabar com as compras de dívida pública mais cedo do que o planeado. Christine Lagarde, contudo, garante que, nos próximos meses, flexibilidade será a palavra-chave, com todas as opções a tomar, incluindo a da data do início da subida das taxas de juro, a dependerem sempre da forma como evoluírem entretanto os dados económicos.

A reunião do conselho de governadores desta quinta-feira foi a primeira realizada desde o início da invasão militar russa à Ucrânia, um acontecimento que alterou significativamente, para pior, as expectativas para o crescimento e a inflação na zona euro. De acordo com as novas previsões do BCE, divulgadas esta quinta-feira, a economia irá crescer 3,7% este ano e 2,8% no próximo, em vez dos 4,2% e dos 2,9% previstos em Dezembro. E a taxa de inflação será de 5,1% este ano e de 2,1% no próximo, em vez dos 3,2% e 1,8% antes esperados.

É a confirmação de que o risco de um cenário de crescimento lento e inflação alta na zona euro aumentou fortemente com a guerra, algo que cria um dilema ao banco central: uma retirada rápida das medidas de estímulo lançadas durante a anterior crise, como as compras de dívida pública e as taxas de juro muito baixas, pode empurrar a economia da zona euro para uma recessão, mas um adiamento dessa decisão faz aumentar o risco de perda de controlo da inflação.

Foi por isso que, da reunião do conselho de governadores do BCE desta quinta-feira – onde, de acordo com a presidente do banco central, houve “discussões muito intensas e visões diferentes em todas as direcções” – saíram alguns sinais contraditórios em relação à velocidade da retirada dos estímulos e, acima de tudo, muita vontade de manter bem aberto o leque de opções do BCE.

Quando foi publicado o comunicado imediatamente a seguir à reunião, aquilo que saltou à vista é que, face ao que estava planeado em Dezembro, o banco central decidiu acelerar o fim dos programa de compra de activos (principalmente títulos de dívida pública) com que tem ajudado os Estados (como o português) a obterem financiamento mais barato nos mercados, ajudando assim a economia.

Assim, depois de no final deste mês de Março dar por concluído o programa de compras de dívida pública de emergência lançado durante a pandemia, o BCE irá reduzir o volume das compras de activos do programa que já existia antes da crise pandémica para 40 mil milhões de euros em Abril, 30 mil milhões em Maio e 20 mil milhões em Junho, podendo chegar ao fim no terceiro trimestre, se se confirmar “a expectativa de que o cenário de médio prazo para a inflação não se torna mais fraco, mesmo depois do fim das compras líquidas de activos”.

É uma aceleração evidente da retirada dos estímulos monetários, já que em Dezembro, o BCE tinha dito que as compras seriam de 40 mil milhões de euros ao mês no segundo trimestre, de 30 mil milhões de euros no terceiro trimestre e, a partir daí, de 20 mil milhões de euros ao mês, até ser considerado necessário.

Mercados reagem

Sem surpresa, os mercados reagiram a este anúncio de aceleração do fim das compras do BCE com uma subida das taxas de juro da dívida dos países da zona euro, incluindo Portugal. Os juros da dívida a 10 anos portuguesa, que estavam ligeiramente abaixo de 1% na manhã desta quinta-feira, chegaram rapidamente perto dos 1,2%.

Três quartos de hora a seguir à publicação do comunicado, na habitual conferência de imprensa de apresentação dos resultados da reunião, a presidente do BCE tentou afastar a ideia de que a guerra e as suas consequências ao nível dos preços estejam a fazer a autoridade monetária optar por uma retirada a alta velocidade das medidas de estímulo.

“Não estamos a acelerar o processo de normalização da política monetária porque o fim das compras [da dívida] depende de condições”, afirmou Christine Lagarde, repetindo até à exaustão as expressões “flexibilidade” e “opcionalidade” para definir a forma como o BCE irá agir durante os próximos meses.

“O que estamos a fazer é a confirmar a nossa abordagem passo a passo”, disse, garantindo que se no final do segundo trimestre não se confirmar a expectativa actual de manutenção de uma inflação alta, o banco central “está pronto para rever o calendário e o volume das compras”, afirma.

Subida dos juros mais demorada ou mais rápida?

Para além disso, a presidente do BCE fez questão de assinalar outra mudança importante realizada no comunicado da instituição, esta em relação a uma eventual subida das taxas de juro de referência do banco central, que se situam actualmente a níveis mínimos históricos.

Enquanto, até aqui, o BCE dizia sempre que o fim das compras líquidas de activos aconteceria “brevemente antes” da primeira subida das taxas de juro, no comunicado publicado esta quinta-feira é dito que o intervalo de tempo entre estas duas medidas pode demorar “algum tempo”.

Será que isso significa que, apesar do fim das compras de dívidas acontecer mais cedo, a subida das taxas de juro pode até acabar por ser mais tardia, acontecendo somente em 2023? A esta questão, Lagarde respondeu, mais uma vez, tentando manter uma larga margem de manobra para o BCE.

A presidente do banco central que este “algum tempo” poderia ser de “duas semanas ou dois meses”, salientando que a expressão tinha sido mudada para dar mais flexibilidade ao BCE na hora de decidir se sobe ou não as taxas de juro. “Tudo vai depender dos dados”, disse.

A opção de apresentar um calendário para o final das compras de dívida, mantendo contudo alguma incerteza em relação à sua concretização na prática, explicou ainda Christine Lagarde, foi um “compromisso” entre dois tipos de posições existentes dentro do banco central: “Houve alguns membros que defenderam que perante a incerteza, se deveria ser incerto e não definir nada. E outros defenderam que se deveria traçar um plano sem condições. A solução que se encontrou foi um compromisso, em que se define um plano mas com máxima flexibilidade”, disse.

Para economias como a portuguesa, com um nível de endividamento, público e privado, muito elevado, a rapidez com que o BCE reduz o volume de compras de dívida e regressa a taxas de juro mais altas é decisivo para a sua evolução futura. Ao comprar títulos de dívida pública portuguesa nos mercados, o BCE tem vindo a criar mais procura nas emissões realizadas pelo Tesouro português, contribuindo deste modo que o Estado se financie mais facilmente, beneficiando de taxas de juro mais baixas. De igual modo, as taxas de juro de referência do BCE são decisivas para a evolução das taxas de juro Euribor, que servem de indexante para a maioria dos empréstimos contraídos pelas famílias e empresas portuguesas.

O fim das compras de dívida do BCE e a subida das taxas de juro de referência conduziriam, por isso, a uma deterioração inevitável das condições financeiras de Estado, empresas e famílias em Portugal