Armas enviadas à Ucrânia não chegam para “fechar os céus” mas atrasam avanços russos

Mais de 40 mil civis foram retirados de cidades sitiadas, mas nem todos os “corredores humanitários” previstos funcionaram. De Mariupol, onde um hospital pediátrico foi atacado, voltou a não ser possível sair em segurança.

Fotogaleria

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.


As armas prometidas por mais de 20 países à Ucrânia atravessam todos os dias a fronteira e são usadas pelas forças ucranianas para, por exemplo, derrubar aeronaves russas. Mas isso não chega para “fechar os céus”, como uma zona de exclusão área poderia fazer (com todos os riscos de uma medida que teve pouco sucesso no passado), o apelo repetido esta quarta-feira pelo Presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, ao denunciar o ataque contra uma maternidade e hospital pediátrico em Mariupol, no Sul do país.

“Há crianças debaixo dos escombros. Isto é uma atrocidade!”, lamentou Zelensky numa publicação no Twitter, acompanhada por um vídeo onde é visível a destruição no complexo hospitalar da estratégica cidade portuária. “Fechem o céu agora!”, pediu, dias depois de ter desafiado os países ocidentais nos mesmos termos. “Se não têm força para fechar os céus, então dêem-nos aviões.”

Segundo Pavlo Kirilenko, governador da região de Donetsk, 17 adultos, membros do pessoal hospitalar, ficaram feridos. “Não há nenhuma criança” entre os feridos e “nenhum morto”, esclareceu, em declarações à televisão ucraniana. É esta cidade de 430 mil pessoas que espera desde sábado a abertura de “corredores humanitários” seguros para ali fazer chegar bens essenciais em falta e retirar 200 mil civis. Mas no dia em que foi possível resgatar 40 mil pessoas de cidades sitiadas, as supostas passagens seguras para Mariupol terão continuado a ser atacadas.

O vice-presidente da câmara, Sergi Orlov, afirmou que a cidade permanece sob “contínuo bombardeamento russo” e que já foram mortas 1170 pessoas, incluindo as 47 enterradas durante o dia numa vala comum. “Eles estão a bombardear o corredor humanitário”, acusou. O ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano, Dmitro Kuleba, diz que a Rússia mantém ali “reféns” mais de 400 mil pessoas. “Sem água, aquecimento, energia, gás, com os residentes a beber neve. É medieval”, descreve Orlov, citado por Luke Harding, enviado do Guardian.

Um dia depois de ter sido finalmente possível organizar um “corredor humanitário” e retirar 5000 pessoas de Sumi, no Nordeste, esta quarta-feira foram resgatadas 40 mil de Enerhodar (no Centro, onde fica a central nuclear de Zaporizhzhia, atacada a semana passada), Irpin (subúrbio de Kiev) e Vorzel (50 quilómetros a noroeste da capital). Para além de Mariupol, falharam as passagens seguras anunciadas para Bucha e Demidova, na região de Kiev; e de Izium, na província de Kharkiv, Leste do país.

Face aos crescentes ataques aéreos “indiscriminados e mortíferos” da Rússia, o Reino Unido vai enviar para a Ucrânia mais armas antitanques, assim como “mísseis antiaéreos portáteis de alta velocidade”, disse aos deputados britânicos o ministro da Defesa, Ben Wallace. Nos dias que se seguiram ao início da invasão, a 24 de Fevereiro, os Estados Unidos, a NATO, vários países europeus e a própria União Europeia anunciaram o envio de armas, munições e todo o tipo de equipamento militar.

Na última sexta-feira, vários jornalistas acompanharam o chefe do Estado-maior norte-americano, general Mark Milley, numa visita a uma base “perto da fronteira com a Ucrânia” onde aterram “14 aviões por dia” e “um bailado se organiza para expedir discretamente as toneladas de assistência militar prometidas” à Ucrânia, escreveu o enviado da AFP. Estes jornalistas não puderam revelar a localização, mas outros que estão na Polónia, como os da rádio France Inter, descrevem de forma semelhante uma base perto de Jaroslaw, por onde “transitam mísseis antiaéreos, rockets antitanque, espingardas de assalto e munições”.

Segundo o Pentágono, até ao final da semana passada os EUA já tinham feito chegar à Ucrânia mais de dois terços das armas prometidas e as forças ucranianas estão a usá-las com “eficiência” para atrasar os avanços russos.

Ouvido pela BBC, Justin Bronk, do Royal United Services Institute, diz que é possível confirmar o derrube de pelo menos 20 helicópteros e jactos russos, um número pequeno, mas que “mostra as dificuldades da Rússia para impor a supremacia nos céus”. Bronk explica que foi a capacidade da Ucrânia para manter alguns sistemas de defesa aérea da era soviética que forçou os russos a voar mais baixo, o que os torna vulneráveis aos mísseis de curto alcance fornecidos pelos países ocidentais.

Bronk, como outros analistas, faz notar que mais difícil do que fazer entrar armamento na Ucrânia pode ser distribuí-lo dentro do país. E não se sabe por quanto tempo Moscovo vai permitir que as rotas usadas funcionem. Marc Finaud, do Centro de Políticas de Segurança, de Genebra, diz que os russos já as poderiam ter interrompido. Não o fizeram para evitar a escalada que representaria “visar linhas de reabastecimento ocidentais”, disse à Deutsche Welle.

“Os aliados estão a ajudar a Ucrânia a garantir o seu direito à autodefesa, reconhecido na Carta da ONU”, afirmou na terça-feira o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg. “A Rússia é o agressor e a Ucrânia está a defender-se. Se houver algum ataque contra qualquer país da NATO, isso vai accionar o Artigo 5.º”, que consagra o compromisso com a defesa colectiva.