Cancelamento de curso sobre Dostoiévski causa indignação em Itália
Universidade milanesa já voltou atrás na decisão, mas a questão vai ser discutida no Parlamento. Em Florença a autarquia recebeu pedidos para retirar uma estátua do romancista russo.
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Uma das mais prestigiadas universidades italianas, a Milano-Bicocca, cancelou um curso livre sobre o romancista russo Fiódor Dostoiévski com o objectivo assumido de evitar qualquer polémica “neste momento de grande tensão”. A decisão, que motivou reacções indignadas do ex-primeiro ministro Matteo Renzi e da actual ministra do Ensino Superior e da Investigação, Maria Cristina Messa, foi rapidamente revertida, mas a universidade, segundo relata o jornal francês Le Figaro, já não evitou que o assunto vá ser discutido no Parlamento italiano.
A história tornou-se pública no início deste mês quando o conferencista convidado a dar o curso, o escritor e tradutor Paolo Nori, grande especialista em literatura russa, publicou um vídeo no Instagram a criticar a decisão da universidade. “Devia começar esta quarta-feira [2 de Março] um curso, gratuito e aberto a todos, acerca dos romances de Dostoiévski”, relata Nori, para depois explicar que recebera um e-mail da universidade a informá-lo de que o vice-reitor, a pretexto de evitar controvérsias no contexto criado pela invasão russa da Ucrânia, decidira cancelar a iniciativa.
“Uma censura ridícula”, acusou Nori. “Em Itália, hoje, ser-se russo, e até um russo morto, é considerado uma falha”, observou o escritor, lembrando que Dostoiévski , sob o regime de Nicolau I, foi condenado à morte [acabaria por ser condenado a trabalhos forçados na Sibéria] por ter lido em público um texto proibido.
A universidade milanesa voltou atrás na decisão, com a sua reitora, Giovanna Iannantuon, a lamentar o “mal-entendido”, mas a questão vai ser levada ao Parlamento por um grupo de deputados, incluindo o vice-presidente Fabio Rampelli, do partido nacionalista conservador Irmãos de Itália, que considerou este cancelamento “indigno do prestígio” da Milano-Bicocca.
Também o ex-primeiro ministro Matteo Renzi já reagiu, denunciando a “insensatez” de se censurar Dostoiévski como meio de oposição a Putin e afirmando que “as universidades precisam de professores e não de burocratas incompetentes”. E a ministra que tutela o ensino superior alinhou pelo mesmo diapasão, lembrando que a obra do romancista russo “é um património de valor inestimável”.
E acicatando ainda mais esta discussão sobre a irracionalidade que está a atingir o cancelamento indiscriminado de autores, intérpretes e obras de arte russas, o presidente da Câmara da Florença, Dario Nardella, veio dar resposta no Twitter a vários pedidos que diz ter recebido para desmontar a estátua de Dostoiévski (1821-1881), inaugurada há três meses na cidade para celebrar o segundo centenário do autor de Os Irmãos Karamazov. “Esta é uma guerra louca de um ditador e do seu governo, não a guerra de um povo contra outro”, escreveu o autarca. “Em vez de anularmos séculos de cultura russa, concentremo-nos em travar Putin”, recomendou.