Novo rascunho da Bússola Estratégica carrega na ameaça da Rússia para a segurança europeia

Líderes preparam-se para aprovar o novo documento que serve de guia para a condução da política de defesa e segurança “numa altura em que a guerra está de regresso à Europa” por decisão de Vladimir Putin.

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Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia EPA/KENZO TRIBOUILLARD

A invasão da Ucrânia pela Federação Russa obrigou a União Europeia a refazer a sua avaliação sobre os riscos geopolíticos e as ameaças de segurança “complexas” que pairam sobre o continente, e a repensar os planos para a sua arquitectura de defesa — que se desenhavam a pensar muito mais nas ameaças híbridas ou na ciberguerra do futuro, do que na guerra convencional com tanques nas ruas, como temos visto por estes dias numa marcha lenta, e devastadora, com destino a Kiev.

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A invasão da Ucrânia pela Federação Russa obrigou a União Europeia a refazer a sua avaliação sobre os riscos geopolíticos e as ameaças de segurança “complexas” que pairam sobre o continente, e a repensar os planos para a sua arquitectura de defesa — que se desenhavam a pensar muito mais nas ameaças híbridas ou na ciberguerra do futuro, do que na guerra convencional com tanques nas ruas, como temos visto por estes dias numa marcha lenta, e devastadora, com destino a Kiev.

Obrigou, também, a rever o rascunho e reescrever vários parágrafos da Bússola Estratégica para a Segurança e Defesa da UE, o documento orientador que vai servir de guia para a condução da política dos 27 até ao fim desta década, e que os chefes de Estado e governo se preparam para adoptar “numa altura em que assistimos ao regresso da guerra na Europa” (a sua aprovação está prevista acontecer na reunião do Conselho Europeu marcada para 24 e 25 de Março, em Bruxelas).

As manobras do Presidente da Rússia, Vladimir Putin, para desmontar a estrutura de segurança construída após a queda do muro de Berlim, e ressuscitar o conceito das esferas de influência, são agora a principal preocupação dos parceiros europeus. “O regresso da guerra na Europa, bem como as grandes mudanças geopolíticas estão a desafiar a nossa capacidade de promover a nossa visão e defender os nossos interesses”, diz agora a primeira frase do sumário executivo do documento, a que o PÚBLICO teve acesso.

O novo rascunho, já devidamente ajustado para reflectir a realidade da “agressão militar ilegal e injustificada” contra a Ucrânia, aponta especificamente para o risco que a Rússia representa para a segurança europeia e global: para o Serviço de Acção Externa da UE, responsável pela redacção do documento, trata-se de “uma competição de sistemas de governação, acompanhada por uma verdadeira batalha de narrativas”, em que são invocados supostos direitos históricos para justificar a violação das regras e princípios dos tratados internacionais.

Os representantes dos Estados-membros foram confrontados, esta segunda-feira, com a nova versão da Bússola Estratégica (para já, um documento de trabalho que ainda pode sofrer alterações até à sua aprovação final pelos líderes), que já é a terceira: saltam imediatamente à vista as mudanças no capítulo dedicado à análise dos riscos e das ameaças com que a Europa se confronta (“o regresso da política de poder [power politics] num mundo multipolar e de contestação permanente) que foi parcialmente reescrito para destacar a acção desestabilizadora da Rússia, por oposição por exemplo à China — que mesmo assim continua a ser descrita como um “rival sistémico”, cujas práticas de coerção são apontadas como motivo de alerta e preocupação.

O documento argumenta que a presente invasão da Ucrânia pela Rússia, que “vem na sequência da agressão militar da Geórgia, em 2008, da anexação ilegal da Crimeia, em 2014, e do apoio a grupos separatistas armados na região de Donbass”, e à qual se junta o controlo efectivo do Governo da Bielorrússia por Moscovo, se insere na estratégia de Putin que “está a tentar activamente restaurar e expandir as chamadas esferas de influência”.

“O ataque contra a Ucrânia demonstra a disponibilidade [do Presidente da Rússia] para utilizar o mais alto nível de força militar, independentemente de considerações jurídicas ou humanitárias, combinado com tácticas híbridas, ciberataques e manipulação e interferência de informação estrangeira, coerção energética e uma retórica nuclear agressiva”, refere.

Mas a UE vai mais longe, e chama a atenção para a acção agressiva e desestabilizadora da Rússia noutros teatros, como a Líbia, Síria, República Centro-Africana e Mali, onde o Kremlin tem vindo a “utilizar as crises de forma oportunista, nomeadamente através da utilização de desinformação e mercenários como o grupo Wagner”, para projectar a sua influência.

Ao mesmo tempo que assinala os riscos do expansionismo russo, o documento aponta a resposta da UE, através do seu apoio à Ucrânia, como uma prova da “determinação” dos 27 em tomar decisões difíceis e avançar com medidas “sem precedentes” para restaurar e preservar a paz na Europa. “O ambiente de segurança hostil à nossa volta exige um salto quântico, para aumentarmos a nossa capacidade e vontade de agir, reforçarmos a nossa resiliência e assegurarmos a solidariedade e a assistência mútua”, lê-se no documento.

Os parceiros europeus propõem desenvolver acções em quatro eixos distintos: na capacidade militar de resposta a crises; na previsão, antecipação e mitigação de ataques híbridos, no espaço e no ciberespaço, ou campanhas de manipulação e desinformação; no investimento para desenvolver e produzir novas tecnologias e capacidades de defesa de ponta, e finalmente, na cooperação com aliados estratégicos como a NATO, e parceiros regionais como a OSCE, a União Africana ou a ASEAN.

Para ser capaz de agir de forma rápida e robusta sempre que uma nova crise eclode, a UE propõe o reforço das suas missões e operações civis e militares, bem como das suas estruturas de comando e controlo. Mas a sua grande aposta é o desenvolvimento, até 2025, de uma força de militar conjunta de intervenção rápida, de pelo menos 5000 efectivos, que possam ser mobilizados para todo o tipo de ambientes ou cenários.

Se já existisse uma força deste tipo na UE, ela não seria necessariamente destacada para a frente de guerra na Ucrânia: os parceiros europeus, tal como os seus aliados transatlânticos, insistem que não serão parte activa no conflito aberto pela Rússia. Porém, a situação criada por Putin na fronteira Leste da União veio alterar radicalmente a dinâmica política em favor da aprovação desta proposta, quebrando a resistência de vários Estados-membros.