Rússia bombardeia civis junto a Kiev e aperta cerco a Mariupol
Volta a falhar cessar-fogo para retirar civis de cidade sitiada. Johnson defende que as sanções “serão insuficientes a menos que a Europa comece a livrar-se do petróleo e do gás russos que financiam a máquina de guerra de Putin”.
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Todos os dias morrem civis na guerra da Ucrânia, provavelmente muitos mais do que aqueles que as Nações Unidas conseguem confirmar – 364 mortos e 759 feridos, segundo o último balanço. Este domingo, uma família atingida por disparos de artilharia russa quando tentava escapar de Irpin em direcção a Kiev foi fotografada por enviados de jornais e agências de notícias internacionais, dando uma nitidez particular à sua tragédia.
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Todos os dias morrem civis na guerra da Ucrânia, provavelmente muitos mais do que aqueles que as Nações Unidas conseguem confirmar – 364 mortos e 759 feridos, segundo o último balanço. Este domingo, uma família atingida por disparos de artilharia russa quando tentava escapar de Irpin em direcção a Kiev foi fotografada por enviados de jornais e agências de notícias internacionais, dando uma nitidez particular à sua tragédia.
Um pai, uma mãe, um adolescente e uma menina pequena, corpos estendidos, mochilas às costas, malas largadas, só o primeiro sobreviveu, gravemente ferido. Quatro pessoas entre centenas que atravessavam uma ponte que é a rota de fuga de Irpin e que foi atacada por militares russos que avançam sobre Kiev.
Na ponte, danificada pelos ucranianos para atrasar a investida russa, não há movimentações militares. Apesar disso, nas suas imediações estavam, na altura do ataque, “uma dezena de soldados ucranianos”. Para percorrer os 100 metros mais expostos da rua ao lado da ponte, as pessoas juntavam-se em pequenos grupos e corriam – era nessa altura que os militares presentes ajudavam pegando em crianças ao colo e carregando malas, descrevem os enviados do diário The New York Times.
Enquanto esta família era destruída em Irpin, subúrbio a 25 quilómetros de Kiev, de Mariupol, cidade onde há dois dias se espera por um cessar-fogo que deveria permitir a retirada de centenas de milhares de pessoas, chegavam relatos de “muitos cadáveres nas ruas” que “ninguém consegue carregar”.
A situação na cidade estratégica do Sul da Ucrânia, situada entre a Crimeia (anexada pela Rússia em 2014) e as autoproclamadas repúblicas independentes do Donbass, nas mãos de rebeldes pró-russos, é “catastrófica”, diz a organização não-governamental Médicos Sem Fronteiras. Falta água e aquecimento, rede de telefone e de internet, escasseia comida e medicamentos. Dos 430 mil habitantes da cidade cercada há vários dias, esperava-se que uns 200 mil pudessem ter saído durante o fim-de-semana.
“Para que a passagem segura de civis aconteça com os níveis de confiança necessários, as partes devem concordar entre si não apenas em princípio, mas também nos detalhes” da abertura de corredores humanitários e do cumprimento do obrigatório cessar-fogo, disse o Comité Internacional da Cruz Vermelha, implorando aos lados que renegoceiem.
Um acordo para a abertura de passagens seguras foi alcançado na quinta-feira, na segunda ronda de negociações realizada na Bielorrússia entre enviados de Moscovo e de Kiev. Sábado chegou a informação de que estava tudo pronto para avançar com a evacuação, de Mariupol e ainda de Volnovakha, situada a umas dezenas de quilómetros para o interior da Ucrânia. Mas os carros que saíram da cidade portuária depressa tiveram de dar meia volta, face aos bombardeamentos russos.
Um dia depois, novo anúncio e novo fracasso, com russos e ucranianos a responsabilizarem-se mutuamente. Um membro do Regimento Azov da Guarda Nacional ucraniana (que inclui muitos ex-milicianos do Batalhão Azov, grupo paramilitar de extrema-direita formado em 2014) afirmou que a saída de civis foi impedida pelas forças russas e pró-russas que cercam a cidade e que terão chegado a bombardear os autocarros em fila à espera dos habitantes; um responsável da administração pró-russa de Donetsk acusou os ucranianos de não terem cumprido o cessar-fogo. Ao todo, terão ainda conseguido sair de Mariupol umas 400 pessoas.
Ao telefone com Vladimir Putin, também Emanuel Macron implorou que seja permitida a evacuação desta cidade. Em reposta, Putin “chamou a atenção para o facto de Kiev continuar a não respeitar os acordos alcançados nas questões humanitárias” e acusou os “nacionalistas ucranianos” de terem impedido a saída de civis de Mariupol, na descrição do Kremlin.
O mesmo apelo foi feito antes pelo Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, que também falou ao telefone com o chefe de Estado russo. Nesta conversa, Putin afirmou que a Rússia só interromperá as suas operações militares se Kiev baixar as armas e as exigências de Moscovo forem cumpridas, assegurando que a ofensiva decorre de acordo com o plano e o calendário previstos e dizendo esperar que os negociadores ucranianos adoptem uma abordagem mais construtiva na nova ronda de conversações, marcada para segunda-feira.
Independentemente do que tenha acontecido ao longo dos dois últimos dias para sabotar o resgate da população de Mariupol, a verdade é que muitos analistas alertaram para a possibilidade de a Rússia propor corredores não seguros, dificultando assim a saída de civis e a entrada de bens, ou mesmo de atacar civis em fuga ou colunas de ajuda, como fez em várias ocasiões na Síria, onde apoia o ditador Bashar al-Assad.
Exportações de petróleo
As movimentações para tentar convencer os russos a diminuir as suas exigências e a possibilitar, assim, verdadeiras negociações que permitam encurtar ao máximo o conflito, seguem em simultâneo com o debate sobre novas formas de pressionar o regime de Putin. Segundo o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, há “uma discussão muito activa” em Washington que envolve “os parceiros europeus” sobre a “possibilidade” de banir as importações de petróleo da Rússia (o terceiro maior produtor de petróleo do mundo, tendo na Europa o seu maior cliente).
Os Estados Unidos e a União Europeia, assim como o Reino Unido, têm estado na linha da frente das sanções económicas contra Moscovo, mas não houve ainda nenhuma medida que afecte as exportações de petróleo e gás natural provenientes da Rússia. “Estamos em conversações com os nossos parceiros e aliados europeus para analisar de forma coordenada a possibilidade de proibir a importação de petróleo russo, garantindo que continua a haver um fornecimento adequado de petróleo nos mercados mundiais”, afirmou Blinken, entrevistado no programa Estado da União da CNN.
Num artigo publicado no jornal The New York Times, também o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson defendeu que todas as medidas tomadas até agora “serão insuficientes a menos que a Europa comece a livrar-se do petróleo e do gás russos que financiam a máquina de guerra de Putin”. Interrogada pela CNN, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou apenas que os Estados-membros discutem actualmente “como acelerar os investimentos nas energias renováveis e como diversificar” o seu fornecimento energético”, evitando referir-se explicitamente a uma eventual proibição das importações energéticas russas.