Bispo de Odessa ao PÚBLICO: “Aquilo que mais necessitamos é de orações, apoio e solidariedade”

Stanislav Shyrokoradiuk afirma que a cidade “parece meio vazia”, mas quem ficou prepara a resistência. A Igreja procura “fortalecer o espírito” e o corpo, com missas e orações e refeições para oferecer.

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Membros das Forças de Defesa Territorial enchem sacos de areia para montar barreiras em Odessa Reuters/UKRAINIAN ARMED FORCES

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Desde o início da invasão da Ucrânia pelas tropas russas a que a guerra chega pelos ouvidos e pela tensão aos habitantes de Odessa, a terceira maior cidade ucraniana e o seu principal porto, situado no Mar Negro, e a esta altura da guerra a única saída do país para o mar. Vive-se à espera que comecem os ataques e da costa chegam-se a ver ao longe os navios russos.

“Fora da cidade, há combates em várias frentes e podem ouvir-se explosões e bombardeamentos”, conta Stanislav Shyrokoradiuk, bispo da Igreja Católica de Odessa desde Fevereiro de 2020, em resposta a perguntas por escrito enviadas pelo PÚBLICO. “Nas ruas de Odessa houve combates e tiros, mas apenas de grupos subversivos”, explica, salientando, no entanto, que um rocket atingiu uma das ruas da cidade e outro explodiu no aeroporto.

O quotidiano segue aparentemente normal para um país em guerra nesta cidade que em tempo de paz tem um milhão de habitantes. Não fossem os blocos de cimento nas principais entradas para atrasar o avanço dos tanques e blindados inimigos, os sacos de areia em torno da catedral do século XIX, e quem visita a cidade seria capaz de se abstrair da guerra.

“Muitos ricos que tinham para onde ir já partiram. E hoje Odessa parece uma cidade meio vazia”, conta Stanislav Shyrokoradiuk. “Há menos pessoas e muito pouco tráfego. É uma situação muito instável.”

“De tempos a tempos, ouvimos os alertas de ataques aéreos e tiros, mas, por esta altura, graças a Deus, a cidade está relativamente pacífica. Dormimos no bunker, mas durante o dia estamos aqui [na catedral] e podemos trabalhar e rezar à vontade” diz o bispo, num vídeo gravado em alemão e cuja versão em texto o PÚBLICO teve acesso em primeira mão.

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Stanislav Shyrokoradiuk, bispo de Odessa DR

“Hoje, Odessa é uma cidade com muitos problemas”, daí que não seja destino “para onde os refugiados da Crimeia e de outros territórios possam vir”.

A Diocese de Odessa-Simferopol, criada em 2002, estende-se à península da Crimeia que os russos invadiram e anexaram em 2014 e cuja capital é Simferopol. Num país com 1,5 milhões de católicos, a Igreja de São Pedro, em Odessa, foi, no tempo da União Soviética, a única igreja católica romana a funcionar no sul da Ucrânia, liderada pelo padre salesiano Tadeusz Hoppe entre 1958 e 1991.

Habituada a resistir em território hostil à fé, Odessa não se fecha, no entanto, em si mesma e também vai recebendo quem foge de outros lugares atacados pelas forças russas. Fora da cidade, a diocese preparou um lugar que a princípio era só para algumas crianças, mas que agora já alberga também adultos, deslocados: “Famílias jovens vivem ali com os seus filhos. Estamos a cuidar deles”.

O ambiente na cidade é o ambiente tenso das esperas de algo iminente, em que a dúvida não é se vai acontecer, mas quando. E aí entra o papel da igreja, da fé que move montanhas, dos padres que se recusam a abandonar as suas paróquias e escolhem ficar junto das populações, como conta o bispo ao PÚBLICO.

“A presença dos padres nas igrejas é de extrema importância para as pessoas. Os padres celebram missa, organizam orações e fortalecem o espírito”, garante o bispo. E não se poupam esforços: ao domingo, há seis missas. “Também fazemos as estações da cruz, dizemos o rosário e rezamos pela paz.”

Além disso, nas paróquias também se preparam refeições para distribuir aos voluntários e às forças de defesa territorial, os civis que pegaram em armas para defender a Ucrânia da ofensiva russa.

“Refeições quentes pedidas pelos organizadores da defesa civil são preparadas nas paróquias e levadas para entregar directamente na rua”, explica o bispo. A igreja de Odessa também não se esquece das outras cidades que sofrem os ataques russos desde o início da guerra e que “precisam de ajuda humanitária, como alimentos, medicamentos, etc.”. O bispo diz que têm prestado auxílio financeiro para “comprarem o que puderem”.

“As pessoas sentem medo, mas também há muita esperança em que isto acabe por passar. Daí que oremos diariamente e pedimos às pessoas que rezem. Aquilo que mais necessitamos é de orações, apoio e solidariedade”, explica o bispo.

“Todos os dias rezamos pela paz. E, claro, estou muito agradecido por todo o apoio político e solidariedade. Queria agradecer especialmente à Ajuda à Igreja que Sofre. Foi a primeira organização que me perguntou: ‘O que podemos fazer?’ ‘Como podemos ajudar?’”

Segundo Stanislav Shyrokoradiuk, “esta guerra uniu realmente os crentes – não só os católicos, mas pessoas de outras confissões. Hoje temos uma grande unidade na cidade. A guerra uniu-nos e estamos agradecidos à solidariedade europeia: a solidariedade política e especialmente o apoio humanitário.”