Rússia rompe a primeira trégua na Ucrânia
Tropas russas acusadas de continuar bombardeamentos contra Mariupol apesar de terem concordado com um cessar-fogo temporário e restrito nas cidades do Sul da Ucrânia. Putin diz que sanções são “o equivalente a uma declaração de guerra”.
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Os carros que saíam de Mariupol com pessoas a tentar fugir do conflito deram meia volta e regressaram depressa à cidade, depois de bombardeamentos interromperem uma trégua humanitária acordada entre as forças russas e ucranianas.
A trégua temporária fora decidida em apenas duas cidades, Mariupol e Volnovakha, ambas no Sul da Ucrânia. Mariupol é importante porque está entre a Crimeia e as repúblicas separatistas controladas por rebeldes pró-russos, e se fosse tomada haveria ligação entre as duas zonas. Várias outras cidades que têm sido duramente atingidas, como Kharkiv, não foram incluídas no cessar-fogo temporário.
“Estou em Mariupol, estou na rua, e ouço bombardeamentos a cada três a cinco minutos”, disse Alexander, engenheiro de 44 anos e habitante da cidade, à emissora britânica BBC. “O corredor verde [humanitário] não está a funcionar. Vejo carros a voltar para trás. É o caos.”
De Volnovakha ainda saíram 500 pessoas. De Mariupol esperava-se que pudessem ter saído 200 mil pessoas, diz o Guardian – 200 mil pessoas que continuaram encurraladas na cidade onde já não há aquecimento, electricidade, ou água, já há quatro dias. “Tudo foi atingido”, relatou Anatolii Lozar, voluntário na defesa da cidade, ao britânico The Observer. “Prédios de apartamentos, lojas, o hospital. É como a II Guerra Mundial”, descreveu. A organização Médicos Sem Fronteiras disse que não havia acesso a medicamentos e que as pessoas estavam a beber água da chuva ou de neve derretida.
O ataque por forças russas a corredores humanitários, ou a colunas de ajuda humanitária, aconteceu várias vezes durante a guerra na Síria, lembram especialistas como Emma Beals, do European Institute of Peace, no Twitter.
A Rússia tem vantagens com esta declaração porque pode dizer que estabeleceu uma trégua humanitária e tem preocupação com civis – mesmo que a esteja a aplicar apenas a duas cidades entre várias que está a submeter a duros ataques, incluindo alguns em que peritos detectaram o recurso a explosivos de fragmentação, proibidos em zonas civis. O uso destas armas está a levar a que várias análises temam que Kiev seja uma nova Grozny (na Tchetchénia, “a cidade mais destruída do mundo”, atingida por bombardeamentos violentos e indiscriminados entre 1999 e 2000) ou Alepo (na Síria, onde a ONU diz que foram cometidos crimes de guerra e onde o cerco, em 2016, foi determinante para que o Exército de Assad passasse a controlar a cidade).
Mais, a táctica dos cercos e ataques a cidades, como está a acontecer em Kharkiv e Kiev, permite à Rússia levar as negociações a centrar-se nas minudências destas tréguas locais e parciais – e impedir assim que os negociadores se concentrem nas questões essenciais do conflito.
“O impacto devastador dos cercos traz imenso sofrimento civil quando começam a desaparecer a comida, água, medicamentos, combustível, e outros bens básicos sob bombardeamentos indiscriminados”, diz o jornalista Jack Losh na Foreign Policy. “A ênfase muda da diplomacia com o objectivo de terminar o conflito para uma série de negociações granulares sobre acesso a corredores humanitários e rotas de evacuação.”
A táctica do exército russo parece ter mudado depois de não conseguir tomar rapidamente cidades nos primeiros dias da ofensiva, e peritos temem que, por isso, os civis sejam cada vez mais atingidos. E a dificuldade parece aumentar ainda quando na única cidade conquistada, Kherson, no Sudoeste, vários milhares de pessoas manifestaram-se na praça principal da cidade contra os invasores. “Kherson é Ucrânia”, gritaram.
Bennett em Moscovo
Enquanto isso, a diplomacia tentava mover-se. O primeiro-ministro israelita, Naftali Bennett, judeu ortodoxo, viajou durante o shabat (dia sagrado em que os fiéis não podem trabalhar ou viajar, com excepção permitida se puder salvar vidas) para se encontrar com o Presidente russo, Vladimir Putin. Sabe-se que a reunião demorou quase três horas, que foi levado a cabo com conhecimento e beneplácito do principal aliado de Israel, os Estados Unidos, e coordenado com França e Alemanha, com conhecimento também da Turquia.
Israel, que tem um número substancial de população russa e também ucraniana, e boas relações com os dois países, já se tinha oferecido para mediar o conflito. Bennett falou esta quarta-feira ao telefone quer com Putin quer com o Presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, e foi agora o primeiro líder de uma democracia a encontrar-se com Putin após o início da invasão russa na Ucrânia, sublinham os media israelitas (o primeiro-ministro do Paquistão reuniu-se com Putin logo no dia da invasão). Bennett telefonou a Zelensky antes e depois da reunião com Putin. O primeiro-ministro israelita seguiu então para Berlim, onde iria reuniu-se com o chanceler, Olaf Scholz.
A Turquia disse, pelo seu lado, que continuava “em coordenação próxima” com os Estados Unidos depois de um telefonema entre os responsáveis pela política externa. O Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, tinha um telefonema marcado com Putin no domingo.
Ainda este sábado, Putin falou sobre a Ucrânia. Disse que as sanções ocidentais eram “o equivalente a uma declaração de guerra”, mas acrescentou. “Graças a Deus ainda não chegou a isso”, cita a BBC.
Putin falava a um grupo de hospedeiras da Aeroflot num centro perto de Moscovo. A maior companhia aérea russa anunciou que vai suspender todos os seus voos internacionais a partir do dia 8 de Março, à excepção das ligações para a Bielorrússia, depois da segunda maior companhia de aviação, S7, ter anunciado que iria suspender todos os voos internacionais a partir deste sábado (depois de uma aeronave ter ficado retida na Arménia pela empresa que faz o empréstimo dos aviões à companhia aérea).
As sanções têm afectado todos os sectores, e levaram a uma desvalorização do rublo (de quase 30% face ao dólar). Ontem foi mais um dia de anúncios de empresas de encerramento das suas lojas na Rússia (desta vez de moda, como a Inditex, o grupo da Zara, ou a Prada, mais uma gota na torrente de saídas).
Durante a visita, Putin disse ainda que o estabelecimento de uma zona de exclusão aérea seria o equivalente à entrada na guerra dos países que a declarassem. Na véspera, Zelensky tinha criticado a NATO por não estabelecer esta zona.
No entanto, vários analistas chamam a atenção que estabelecer uma zona de exclusão aérea implica que se tenha meios de a concretizar, implicando, primeiro, vigilância do espaço aéreo e segundo, regras que definam o que se faz a aviões que entrem no espaço aéreo sem autorização, que pode ir desde aeronaves a escoltá-los para fora, ou mesmo a ataca-los para impedir que prossigam. Por tudo isto, a zona de exclusão aérea tem sido recusada pelos Estados Unidos e outros países – traria uma escalada e não ajudaria assim tanto numa guerra em que grande parte do dano está a ser causada por artilharia disparada por terra.