As mulheres

Crónica do enviado do PÚBLICO à Ucrânia.


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Não aprendeu a andar há muito tempo. Pelo passeio plano, a mão da mãe impõe o ritmo. De gorro, casaco, botas e mochila, as pequenas pernas apresentam uma frágil coordenação. Malas de pessoas apressadas quase atropelam o pequeno rapaz. Ele continua a sua marcha. Não quer vacilar. Não deve vacilar. Olho para ele com sinal de admiração. Ele não quer saber. Necessita de olhar em frente. O pequeno rapaz é o sinónimo do milhão. O milhão que já abandonou as suas casas, os seus empregos, os seus amigos, os seus familiares. Abandonaram o bom ar que sabiam respirar. O pequeno rapaz é já um soldado. Soldado da inocência e da partilha.

Pela cidade, as mulheres suportam malas e cuidam das crianças. São milhares, sem o companheiro. Só elas e os filhos. Os homens estão a combater. Outros, estão de prontidão. Acariciam a Kalashnikov para matar russos. Que ironia. Matar é o seu grande desejo. O ódio é imparável. As mulheres somente acariciam os rebentos de um país invadido.

Sou filho de um homem que era extremamente meigo. Refugiado da II Guerra Mundial. Talvez por isso, numa noite de grande amor – conheço bem os meus pais – o empenho no meu coração. Gravou no meu tenro músculo a palavra paz. Aqui, na terra desumana, já chamei pelo meu pai várias vezes. Não tenho Deus. Tenho no céu o meu pai. O bastante para ser resistente.

O visor da minha máquina fotográfica já me limpou os olhos várias vezes. É difícil não chorar. Caros leitores, aqui o sofrimento é atroz. Podemos ser comentadores, analistas, de esquerda ou de direita. É sempre fácil no conforto do sofá. Aqui deixou de haver sofás. E berços só nos braços fortes das mães e das avós. Gosto de olhar olhos nos olhos. As mulheres são lindas. Transportam uma beleza que nem o desespero consegue vencer. São serenas. São solidárias. Carregam com elas o futuro de dois países. Meninos e meninas. Em Kiev ou em Moscovo, todos gostam de brincar. Bonecas e carrinhos. Existem linguagens universais.

As mulheres são o melhor que a humanidade tem.