Nas aulas até se fala das alterações climáticas, mas quase nunca como sendo um problema

Quatro alunos relataram ao PÚBLICO o que se passa nas escolas quando o tema é a mudança climática. Apenas um tem uma experiência positiva.

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Manifestação pelo clima em Lisboa Nuno Ferreira Santos

“Uma aluna de 5 não faz greves”. Foi esta a razão apresentada por uma professora do 9.º ano para negar a Sofia Morgado a nota máxima a que tinha direito. Sofia, que então frequentava uma escola de Loures, tinha aderido às greves de sexta-feira pelo clima, que a partir de 2019 se espalharam um pouco por todo o mundo.

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“Uma aluna de 5 não faz greves”. Foi esta a razão apresentada por uma professora do 9.º ano para negar a Sofia Morgado a nota máxima a que tinha direito. Sofia, que então frequentava uma escola de Loures, tinha aderido às greves de sexta-feira pelo clima, que a partir de 2019 se espalharam um pouco por todo o mundo.

Entre os professores “há uma velha guarda muito resistente”, tanto no que respeita às atitudes que adoptam, como no que toca aos temas que minimizam em sala de aula, comenta esta aluna, que actualmente está no 12.º ano numa escola de Lisboa.

Rachel Rodrigues, que acabou o secundário no ano passado em Faro, conta que a directora de uma escola de Quarteira nunca autorizou a que afixassem cartazes da Greve Climática Estudantil, o colectivo de estudantes a que ambas pertencem. Já na secundária de Faro que frequentou nunca houve problemas deste tipo por parte da direcção. Em contrapartida, os seus colegas de Línguas e Humanidades (ela seguiu Ciências e Tecnologia) tiveram um professor de Geografia “negacionista”. Mais concretamente negava a existência de um problema chamado alterações climáticas e logo numa das disciplinas de acolhimento das questões ambientais.

Claro que nem todos os docentes são iguais. “Há professores que procuram formação extra no domínio das alterações climáticas e que às vezes me dão palco para expor o problema, as suas implicações e bases científicas, de modo a também obterem mais informação e consciencializar os outros alunos”, relata Sofia Morgado, que como muitos outros dos jovens da Greve Climática Estudantil tem já uma rodagem de peso em palestras sobre o clima, para a qual são convidados por escolas e associações.

O problema é que estes professores mais motivados “não têm qualquer apoio por parte do currículo ou dos manuais”, onde temas de ponta como a biodiversidade ou as alterações climáticas passam quase despercebidos, frisa. Não é um problema exclusivo de Portugal. Num relatório recente da Unesco, em que se analisaram os currículos escolares de cerca de 50 países, constata-se que “mais de metade dos documentos analisados não faz qualquer referência à mudança climática, e apenas 19% mencionam a biodiversidade”.

Tanto Sofia, como Rachel e João Portela, outro estudante da Greve Climática, referem que não foi o que aprenderam na escola que os levou a serem activistas pelo clima. E coincidem no diagnóstico. “Temos abordado as alterações climáticas em quase todas as disciplinas, mas sem nunca se apresentar a verdadeira amplitude deste problema. É tudo reduzido à parte mais básica”, descreve Sofia, que escolheu Línguas e Humanidades.

E que aponta também aos manuais: “Têm uma abordagem muito precária destes temas e também desactualizada. Têm um prazo de validade de seis anos quando, no caso das alterações climáticas, acontecem coisas novas todos os dias”.

"Nada é aprofundado"

Rachel admite que só teve educação ambiental mais a sério no colégio que frequentou durante o 1.º ciclo. No 9.º ano, quando já estava na escola pública, temas como a biodiversidade ou o efeito de estufa foram abordados nas aulas de Geografia, “mas nunca eram apresentados como um problema”. E, a este respeito, o secundário foi mais ou menos um deserto.

“Estes temas são abordados de uma forma muito geral na escola. Nunca nada é aprofundado, reserva-se muito pouco tempo para se falar dos impactos das alterações climáticas, não se passa a mensagem que isto é importante e que nos afecta a todos nós”, diz João Portela, aluno do 11.º ano numa escola de Braga. No relatório já citado, a Unesco alerta para o mesmo problema, referindo que quando “as questões ambientais marcam presença nas aulas, são geralmente abordadas de forma superficial”.

João Portela também escolheu Línguas e Humanidades. “Se a escola desempenhasse um bom papel neste domínio faria como que muitas mais pessoas se mobilizassem pelo clima”, comenta.

“Os professores têm muito poder. Todos nós tivemos um ou mais que nos marcaram enquanto pessoas”, corrobora Sofia Morgado. Caso raro nos nossos dias, esta é a profissão a que aspira: ser professora. “É a minha forma de mudar o mundo”.

Ao contrário dos seus outros colegas, Eduardo Costa reconhece que aquilo que foi aprendendo na escola teve importância no caminho que o levou à Greve Climática Estudantil. Aluno do 11.º ano numa escola de Guimarães, também ele de Línguas e Humanidades, conta que começou a interessar-se pelas alterações climáticas no 8.º ano, quando o tema foi abordado nas aulas de Cidadania.

Foi o que o levou a procurar mais informação, inclusive sobre os movimentos pelo clima. Acabou por ser ele a levar a Greve Climática Estudantil para Guimarães. No ensino secundário, a área de Cidadania e Desenvolvimento é transversal a todas as disciplinas. Este ano, o tema que está a ser trabalhado é precisamente o Ambiente e as Alterações Climáticas: “Os professores costumam relacionar estes temas com as notícias da actualidade. E depois de abordarem o assunto pela primeira vez, os alunos passam a fazer mais perguntas, a interessar-se mais”, descreve.

O próximo passo está marcado para dia 25 de Março, data internacional para uma nova greve estudantil pelo clima. As expectativas quanto à mobilização não são propriamente altas, mas esperam que possa marcar o renascimento de um movimento que foi também fortemente afectado pela pandemia de covid-19.