Tropas russas capturam a maior central nuclear da Europa

Autoridades ucranianas confirmam a tomada russa da central de Zaporizhzhia. Regulador diz que, apesar dos ataques e de um incêndio, não foram registadas fugas ou alterações nos níveis de radiação da infra-estrutura.


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Militares e civis ucranianos montaram um cerco em redor da central nuclear de Zaporizhzhia, perto da cidade de Energodar, nas margens do rio Dniepre, e resistiram como puderam. Mas, ao fim de vários dias de combates e já depois de um redobrado ataque do invasor ter causado um incêndio na infra-estrutura, a maior central nuclear da Europa caiu às primeiras horas desta sexta-feira para as mãos das tropas russas.

A confirmação foi dada pelas autoridades regionais ucranianas, através de uma mensagem publicada no Facebook, citada pela Reuters: “[A central] foi capturada por forças militares da Federação Russa. A equipa operacional está a monitorizar o estado dos reactores nucleares”.

Apesar dos bombardeamentos e do enorme incêndio que deflagrou nas últimas horas num dos edifícios da central, causado pela artilharia russa, o SINR, autoridade reguladora da energia nuclear da Ucrânia, informou que, por enquanto, não foram identificadas quaisquer fugas ou alterações nos níveis de radiação em Zaporizhzhia.

“Os sistemas e os elementos, importantes para a segurança da central de energia nuclear, estão a funcionar em condições. Até ao momento, não foram registadas mudanças no estado de radiação”, informou o SINR num comunicado, citado pela Sky News.

Rafael Mariano Grossi, director da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), mostrou-se “profundamente preocupado” com a situação em Zaporizhzhia, mas adiantou que a mensagem que lhe foi transmitida pelas autoridades ucranianas é a de que o equipamento “essencial” da central não tinha sido afectado pelos confrontos.

O SINR alertou, no entanto, que a perda de combustível de refrigeração pode provocar “significativas emissões radioactivas”.

A central nuclear de Zaporizhzhia é responsável por cerca de um quarto da produção energética da Ucrânia e fornece electricidade a quase metade do país. Para além disso, por estar localizada a apenas 200 quilómetros da Crimeia, anexada e controlada pela Rússia desde 2014, é um activo estratégico para o relançamento da ofensiva russa, que, segundo os analistas, falhou os seus objectivos iniciais – ainda só conquistou uma cidade importante, Kherson, e demorou mais de uma semana a consegui-lo.

Energodar, a cidade mais próxima, continua “debaixo de fogo contínuo inimigo”, informou nesta sexta-feira o seu presidente da câmara.

Certo é que, perante o redobrar dos ataques do Exército russo à central nuclear, nas últimas horas, temeu-se um desastre de proporções inimagináveis. O incêndio numa zona de treino do complexo demorou várias horas a ser apagado, em parte devido à resistência dos soldados russos em permitir o acesso das equipas de bombeiros ucranianos ao local.

Nesta sexta-feira, Volodimir Zelensky, Presidente da Ucrânia, apelou aos países europeus para ajudarem as forças de resistência ucranianas na defesa da central de Zaporizhzhia, acusando a Rússia de estar recorrer ao “terror nuclear” e de “querer repetir” a catástrofe de Tchernobil.

“Se houver uma explosão [na central], será o fim de todos nós. O fim da Europa”, proclamou o chefe de Estado ucraniano, numa mensagem em vídeo. “Só uma acção europeia imediata pode travar as tropas russas. É preciso impedir a morte da Europa num desastre nuclear”.

Joe Biden, Presidente dos Estados Unidos, Boris Johnson, primeiro-ministro britânico, e outros líderes políticos ocidentais também denunciaram a “irresponsabilidade” das Forças Armadas russas, exigindo o fim dos ataques a Zaporizhzhia.

Até a China, que tem adoptado uma posição ambígua perante a guerra na Ucrânia – nunca usou o termo “invasão”, recusa condenar a agressão militar russa e insiste, vezes sem conta, no apelo ao diálogo e à diplomacia –, pediu, através de um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, “que todos as partes exerçam contenção, evitem a escalada e garantam a segurança das instalações nucleares relevantes”.

Ofensiva prossegue

Noutros pontos da Ucrânia, a ofensiva russa prossegue. Enquanto se espera por um novo grande assalto a Kiev, a capital continua a ser alvo de bombardeamentos diários, principalmente na zona de Borodianka. Segundo os serviços de inteligência norte-americanos, a enorme coluna de veículos militares da Rússia que está estacionada nos arredores da cidade, está a apenas 25 quilómetros do centro.

Kharkiv, a segunda maior cidade do país, localizada na região Nordeste, também está a ser constantemente bombardeada pela artilharia russa, mas as defesas ucranianas continuam a repelir os avanços do Exército invasor.

Mais dramática é a situação em Mariupol, no Sudeste ucraniano. A cidade portuária do Mar Negro está cercada há vários dias pelos soldados russos, que, segundo o Ministério da Defesa da Ucrânia e as autoridades locais, não têm poupado as infra-estruturas civis. Há escassez de água, electricidade e de bens de primeira necessidade.

Odessa, junto à fronteira com a Moldova e com a região separatista da Transnístria, onde existe uma presença militar russa há várias décadas, poderá ser o alvo seguinte da fúria russa. Há relatos de fontes militares que suspeitam que a Marinha da Rússia está a preparar um ataque anfíbio à cidade.

Enquanto isso, milhares de ucranianos continuam a fugir da guerra e a entrar, em grandes grupos, nos países vizinhos. Segundo as Nações Unidas, mais de um milhão de pessoas cruzou a fronteira desde o início da invasão russa, a 24 de Fevereiro.

Com 505.582 refugiados, a Polónia está no topo da lista dos países que receberam mais pessoas vindas da Ucrânia. Seguem-se a Hungria (139.686), a Moldova (97.827), a Eslováquia (72.200), a Roménia (51.261), a Rússia (47.800) e a Bielorrússia (357) – estes últimos dois países envolvidos activamente na guerra; o primeiro como agressor, o segundo como plataforma logística de apoio militar à invasão.

A ONU diz ainda que há cerca de 90 mil ucranianos que se deslocaram, entretanto, para outros países da Europa. Na quinta-feira, os Estados-membros da União Europeia derrubaram mais um dos seus tabus políticos, ao aprovarem por unanimidade a proposta da Comissão de activar a directiva para a protecção temporária, que garantirá a todos os cidadãos ucranianos em fuga a autorização de residência, bem como o acesso à saúde, educação e ao mercado de trabalho em qualquer um dos 27 países do bloco.

Embora Vladimir Putin, Presidente da Rússia, continue a defender os méritos da sua “operação especial”, para “desmilitarizar”, “desnazificar” e “neutralizar” a Ucrânia, e a garantir que não faz tenções de pôr um travão à ofensiva militar no país vizinhos, até por causa da vaga de sanções económicas, diplomáticas e políticas que o seu país está a ser alvo, os negociadores dos dois Estados em guerra chegaram na quinta-feira a um acordo para a criação de “corredores humanitários”.

Embora ainda haja muitos pontos de interrogação sobre a operacionalização desses planos, a ideia é permitir que os civis possam sair em segurança das cidades sitiadas pelos russos e, ao mesmo tempo, fazer chegar comida e medicamentos a essas localidades.

Numa altura em que as equipas do Tribunal Penal Internacional já foram enviadas para a Ucrânia para iniciar as investigações às denúncias, formalizadas por 38 países, incluindo Portugal, de crimes de guerra cometidos pelo Exército russo, o Governo ucraniano acredita que os corredores humanitários vão ajudar a comunidade internacional a perceber o verdadeiro impacto dos ataques militares direccionados às zonas residenciais de várias cidades do país – que a Rússia nega.