Com dois governos de novo, Líbia arrisca regresso à violência
Primeiro-ministro cessante recusa-se a ceder o lugar ao chefe de Governo que tomou posse esta quinta-feira. ONU pede eleições o mais rápido possível.
A Líbia tem, de novo, dois governos. Depois de 18 meses de um cessar-fogo que pôs fim ao pior conflito, um impasse entre dois primeiros-ministros ameaça um regresso à violência no país.
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A Líbia tem, de novo, dois governos. Depois de 18 meses de um cessar-fogo que pôs fim ao pior conflito, um impasse entre dois primeiros-ministros ameaça um regresso à violência no país.
As partes em conflito não são exactamente as mesmas que lutaram entre si desde 2014 a 2020, nota a agência Reuters, mas há, em geral, um grupo da parte oriental do país contra um conjunto de grupos da parte ocidental.
O novo primeiro-ministro, Fathi Bashagha, foi eleito numa sessão do Parlamento nesta terça-feira, numa votação que as Nações Unidas dizem não ter cumprido “os critérios esperados”, enumerando falta de transparência, falhas nos procedimentos, e acções de intimidação antes da sessão.
Ainda assim, Bashagha tomou posse na quinta-feira. Abdul Hamid Dbeibé, pelo seu lado, recusou-se a ceder o poder, como já tinha avisado. Bashagha disse ainda que o seu governo teria sede em Tripoli, mas o controlo da cidade está dividido por vários grupos armados, alguns dos quais apoiam Dbeidé. Os apoiantes do rival disseram que impediriam Bashagha de assumir o poder.
O potencial novo primeiro-ministro foi o responsável pela pasta do Ministério do Interior do antigo governo reconhecido internacionalmente com sede em Tripoli. Bashagha disse que está a fazer planos para assumir o poder de modo pacífico, e pediu às instituições do Estado para pararem de obedecer a Dbeibé.
O Governo de Dbeibé estava no poder há um ano, com base num plano de paz apoiado pela ONU que deveria ter culminado em eleições presidenciais e parlamentares no ano passado, mas os dois lados não chegaram a acordo sobre o quadro constitucional em que deveriam ocorrer. Cada lado culpa o outro por não ter sido possível levar a cabo a votação.
Dbeibé protagonizou um dos momentos polémicos do processo, registando-se como candidato em Novembro, quebrando assim a garantia de que não iria a votos para não abusar da sua posição. Entre os outros candidatos destacavam-se Saif al-Islam Khadafi, filho do antigo ditador, Muammar Khadafi, acusado de crimes contra à humanidade pelo Tribunal Penal Internacional, e de crimes de guerra pelas autoridades de Trípoli e o marechal Khalifa Haftar, rival de Dbeidé e cujas forças militares controlam parte do país.
O Parlamento tem tentado assumir o controlo do processo, afirmando que o mandato de Dbeibé expirou, e dizendo que quer um referendo à mudança da Constituição e só depois eleições, em 2023.
A representante do secretário-geral das Nações Unidas para a Líbia, Stephanie Turco Williams, propôs que cada lado nomeasse seis delegados para formar uma comissão conjunta que desenvolvesse uma base constitucional consensual, e reiterou que as instituições líbias devem fazer o possível para realizar brevemente eleições, “pelos 2,8 milhões de líbios que se registaram para votar em eleições presidenciais e parlamentares”, declarou.
A enviada estabeleceu ainda um calendário para estas conversações da comissão, a realizar sob os auspícios da ONU. Deveria começar a reunir-se a 15 de Março de 2022 e chegar a conclusões duas semanas depois.
Grupos armados leais aos dois blocos mobilizaram-se na capital, e as forças estrangeiras que participaram nos anos anteriores do conflito, incluindo turcas e russas, também se mantém no país.
O gabinete de Bashagha acusou Dbeibé de usar a força para tentar impedir o seu governo de chegar a Tobruk, onde se realizou a sessão parlamentar, encerrando o espaço aéreo. Também disse que um grupo armado ligado ao seu rival deteve dois ministros que tentaram viajar por terra – estes foram, entretanto, libertados esta sexta-feira.
O governo de Dbeibé não respondeu a estas acusações. Fontes de companhias áreas disseram que de facto não houve voos internos a operar e o ministério da defesa emitiu um aviso para que qualquer coluna de veículos armados não se movimentasse sem autorização prévia. Os voos internos tinham esta sexta-feira retomado com normalidade.
O Parlamento, eleito em 2014, é reconhecido internacionalmente após um acordo de 2015, que reconhecia também o Alto Conselho de Estado, formado por membros de um anterior parlamento, como um órgão legislativo. O Alto Conselho de Estado pareceu concordar com os planos constitucionais e o seu voto à posse do governo de Bashagha.