Ameaça nuclear de Putin faz disparar procura por comprimidos de iodo na Europa

Especialistas em medicina nuclear destacam que comprimidos só devem ser tomados de acordo com as recomendações das autoridades de saúde pública e que a sua ingestão pode ser “contraproducente” e “potencialmente tóxica” para pessoas com mais de 40 anos.

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Procura por comprimidos de iodo disparou na Europa VINCENT KESSLER/Reuters

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A invasão russa da Ucrânia e o facto de o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, ter lançado recentemente a carta da ameaça nuclear fez disparar a procura por comprimidos de iodo na Europa.

As ameaças geraram uma onda de ansiedade na população que levou a uma corrida às farmácias por parte das pessoas que acreditam que tais comprimidos as possam proteger da radiação.

“Nos últimos seis dias, as farmácias búlgaras venderam tanto [iodo] quanto vendem num ano”, explicou à Reuters Nikolay Kostov, presidente do Sindicato das Farmácias da Bulgária. “Algumas farmácias já não têm stock. Encomendamos mais quantidades, mas temo que não durem muito tempo”, acrescentou.

Miroslava Stenkova, representante da cadeia de farmácias Dr. Max, na República Checa, também referiu que a corrida às farmácias no país tem sido “um pouco alucinante”, tendo já alguns estabelecimentos esgotado o stock de iodo.

Na Polónia, o número de farmácias que vendem iodo mais do que duplicou, de acordo com um site polaco que ajuda os pacientes a encontrarem a farmácia mais perto de si que venda um determinado medicamento. “Dados internos do nosso site mostram que o interesse pelo iodo aumentou cerca de 50 vezes desde a última quinta-feira”, afirmou à Reuters Bartlomiej Owczarek, co-fundador do site.

Segundo a Euronews, as farmácias em pelo menos três países da União Europeia assistiram a um aumento da procura por comprimidos de iodo desde que as forças russas tomaram o controlo da central nuclear de Tchernobil, na semana passada.

O Sindicato dos Farmacêuticos da Bélgica revelou à agência de notícias Belga que mais de 30.000 caixas de comprimidos de iodo foram distribuídas na segunda-feira, sendo que as farmácias belgas estão a dispensar gratuitamente os comprimidos aos cidadãos nacionais.

Na última semana, de acordo com a Euronews, a procura pelos comprimidos de iodo também aumentou na Finlândia e Países Baixos, tendo algumas farmácias esgotado o stock.

Iodo pode ser “contraproducente e até potencialmente tóxico” para maiores de 40 anos

O iodo pode ser tomado em comprimidos ou xarope. A Organização Mundial da Saúde recomenda que as crianças, gestantes e pessoas com menos de 40 anos tomem iodo — também conhecido como iodeto de potássio — para proteger a tiróide da exposição à radiação após um acidente nuclear. O iodeto de potássio impede a glândula da tiróide de absorver o iodeto radioactivo, que pode causar cancro — o que significa que o iodo estável bloqueia o iodo radioactivo, impedindo-o de ser absorvido.

Porém, algumas autoridades alertam que não é necessário tomar iodo tendo em conta a situação actual e que tal não irá ajudar em caso de guerra nuclear. Além disso, especialistas em medicina nuclear destacam que estes comprimidos só devem ser tomados de acordo com as recomendações das autoridades de saúde pública.

“Até que ponto os comprimidos de iodo seriam úteis contra os efeitos das bombas nucleares é, no mínimo, questionável”, explicou à Euronews Hielke Freerk Boersma, especialista em protecção contra radiações da Universidade de Groningen (Países Baixos).

“O uso desnecessário de comprimidos de iodo — o que pode acontecer quando as pessoas entram em pânico — também pode causar efeitos adversos para a saúde”, acrescentou.

Dana Drábová, presidente do Serviço Estatal de Segurança Nuclear da República Checa, escreveu numa publicação na rede social Twitter que as pessoas têm procurado “muito” os comprimidos de iodo, embora estes sejam “praticamente inúteis” como forma de protecção quando são usadas armas nucleares.

A Agência Federal para o Controlo Nuclear da Bélgica também alertou contra a ingestão destes comprimidos. “A situação actual na Ucrânia não justifica tomar os comprimidos. Eles continuam disponíveis gratuitamente nas farmácias, mas não são necessários neste caso específico. Só tome iodo por recomendação das autoridades”, aconselhou a agência numa publicação no Twitter. “Para aqueles com mais de 40 anos, é contraproducente e até potencialmente tóxico”, acrescentou citada pelo jornal belga Le Soir.

Na Croácia, onde a procura por comprimidos de iodo também aumentou, os médicos alertam que estes comprimidos podem causar “efeitos secundários”. Num comunicado citado pela revista Barron’s, uma associação de médicos da Croácia destaca que estes comprimidos podem afectar o funcionamento da glândula da tiróide e causar reacções alérgicas, podendo ser especialmente tóxicos para pessoas com mais de 40 anos que sofrem de doenças como o hipertiroidismo.

Especialistas referem ainda que estes comprimidos não devem ser tomados por iniciativa própria ou como medida preventiva, além de não oferecerem protecção contra outras substâncias radioactivas. Além disso, a tiróide apenas armazena o iodo por um período limitado de tempo e tomar grandes quantidades desta substância pode ser perigoso.

Já o Ministério Federal do Ambiente, Conservação da Natureza, Segurança Nuclear e Protecção ao Consumidor da Alemanha refere, citado pela Deutsche Welle, que os suplementos de iodo apenas poderão surtir efeito num raio de até 100 quilómetros de uma central nuclear onde possa eventualmente ocorrer um desastre. Além disso, especialistas citados pela mesma emissora referem que os comprimidos de iodo só serão eficazes se forem ingeridos pouco antes ou durante a exposição ao iodo radioactivo.

Por outro lado, de acordo com informação divulgada na quarta-feira pela Agência Internacional de Energia Atómica (IAEA, na sigla em inglês), os níveis de radiação em Tchernobil aumentaram, mas ainda permanecem baixos o suficiente, não representando um perigo para a população.

Não obstante, os avanços das forças russas têm gerado preocupação. Depois de terem assumido o controlo da central nuclear de Tchernobil, na semana passada, os militares russos entraram esta sexta-feira na maior central nuclear ucraniana, a de Zaporizhzhia, no sudeste do país. Um projéctil atingiu um edifício usado para formação que fica perto de um dos reactores da central e provocou um incêndio localizado que foi extinto. Segundo a IAEA, a segurança dos sistemas dos seis reactores da central não foi afectada e o sistema de monitorização da radioactividade está a funcionar normalmente, não tendo sido registada a libertação de materiais radioactivos.