O turismo sustentável não é mais um desafio para o sector, é “o” desafio

Há um sentimento geral de optimismo no sector do turismo. Ultrapassada a fase das proclamações, os diferentes actores estão empenhados em construir um futuro que equilibre os factores ambientais, sociais e económicos. A luta contra as alterações climáticas é a base e os consumidores o motor de aceleração para práticas sustentáveis.

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NEG - 28 MAIO 2020 - praia da tocha Nelson Garrido

Se calhar, poucos se lembram do tempo em que pedir aos hóspedes para reutilizar as toalhas nos hotéis era uma inovação. Agora, essa é uma prática comum – os clientes não só a esperam como querem que os hotéis vão mais além. E quem diz hotéis, diz todas as empresas do universo turístico: “O conceito de sustentabilidade no turismo impregnou toda a sociedade”, nota Alexandre Sousa Guedes, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), “quer do ponto de vista institucional, com a proliferação de cartas, como a Carta Europeia de Turismo Sustentável, quer do ponto de vista da comunicação entre as empresas e o consumidor através do recurso à certificação, por exemplo o turismo sustentável, ambiental, entre outros”.

O que começou por ser uma preocupação de nicho, tornou-se uma preocupação geral e agora é vista como factor essencial. “Nos dois últimos anos, a sustentabilidade subiu nas prioridades”, conta o porta-voz da The Travel Foundation (TTF), que promove o impacto positivo do turismo nas comunidades de destino, Ben Lyman. “Agora, são os próprios responsáveis das empresas a pressionar por metas ambientais mais ambiciosas e melhores relações com todos os actores turísticos e são os próprios destinos a procurar maior controlo sobre quem os visita e como se desenvolve o turismo.”

Estão “a acontecer muitas coisas boas para tornar o turismo sustentável”, parece concordar o CEO do Global Sustainable Tourism Council (GSTC) – que define e gere normas globais para as viagens e turismo sustentáveis, tanto nos destinos como nas indústrias , Randy Durband. Contudo, salvaguarda, “ainda estamos no início do processo”. No caso dos hotéis, aponta, “muito poucos estão a implementar toda a tecnologia, ferramentas e conhecimento desenvolvidos” - e, acrescenta, “o mesmo se passa com outros sectores do turismo”: “Há muitos bons exemplos, mas precisamos que as medidas sejam mais amplamente adoptadas.” Na mesma linha segue o director de sustentabilidade da World Travel & Tourism Council (WTTC), entidade que promove o crescimento sustentável e inclusivo do turismo, Christopher Imbsen, que assinala os “grandes esforços que estão a ser feitos para enfrentar os desafios do sector e das questões específicas das várias indústrias”.

O que não impede a existência de umas espécies de elefantes brancos na sala do turismo: as indústrias da aviação e dos cruzeiros, desde logo porque permanecem “fortemente dependentes de combustíveis fósseis e dos altos custos da transição”, justifica Christopher Imbsen. Contudo, prossegue, essas indústrias estabeleceram metas específicas na área da sustentabilidade, “por exemplo, esforços de optimização de recursos e combustíveis alternativos de baixo carbono como medida de transição, na indústria dos cruzeiros [deixando de fora, no entanto, outras questões ambientais como as descargas de resíduos] e melhorias na tecnologia aeronáutica e uso de combustível de aviação sustentável (SAF na sigla inglesa) na aviação” – mas essa tecnologia (assim como os anunciados aviões a hidrogénio, cujo primeiro voo deverá acontecer em 2035) “ainda está a anos da utilização generalizada”, assinala Randy Durband.

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Cruzeiros sustentáveis? Há esforços de optimização de recursos e combustíveis alternativos de baixo carbono como medida de transição Rui Gaudêncio

A caminho das emissões zero

Por estes dias, a questão da descarbonização parece estar no centro de todas as atenções da indústria turística, como um elemento-chave para combater as alterações climáticas, que é uma preocupação transversal. O sector das viagens e turismo é responsável por 8-11% das emissões de gases de estufa. “Porém, com notáveis excepções, tem sido lento a agir contra as mudanças climáticas”, lamenta Ben Lyman. A cimeira do clima de Glasgow, no final de 2021 (COP26), pode ter sido o ponto de viragem: a Organização Mundial do Turismo (OMT) lançou a Declaração de Glasgow da Acção Climática no Turismo – até 2030, o objectivo é reduzir em 50% as emissões de gases com efeitos de estufa; antes de 2050, essas deverão chegar a zero (Net Zero). “Este é o maior compromisso da indústria”, avalia Ben Lyman, com mais de 300 signatários “a assumirem a obrigação de publicarem um plano de acção e relatório de progresso todos os anos”.

Não é mais um desafio para o sector – é “o” desafio. “As viagens e o turismo simultaneamente contribuem e são afectadas pelas mudanças climáticas”, nota Christopher Imbsen. “A procura turística é sensível aos impactos económicos, ambientais e sociais, o que faz com que negócios e comunidades dependentes do turismo sejam cada vez mais vulneráveis à ameaça das alterações climáticas.”

Por isso, a WTTC colocou as alterações climáticas “no centro das suas prioridades”, desenvolvendo uma série de iniciativas e trabalhando com todos os seus membros para encontrar soluções para cada um para atingir a neutralidade carbónica como acontece já com a Intrepid, a maior empresa de viagens de aventura para pequenos grupos, desde 2010, exemplifica. Também a booking.com começou a compensar 100% das suas emissões de carbono relacionadas com as suas actividades operacionais desde 2020 (além de ter passado a lançar um relatório anual de sustentabilidade e a cooperar com parceiros para oferecer uma ampla gama de opções sustentáveis aos consumidores).

Covid-19: pausa para pensar

Numa altura em que o turismo passa por uma situação delicada – depois de um 2019 triunfante, o melhor ano de sempre no turismo, com 1,5 mil milhões de chegadas internacionais de turistas, dados da OMT, a covid-19 fez os números do sector recuarem 30 anos “há uma enorme pressão para recuperar as perdas incorridas nos dois últimos anos”, assume o porta-voz da TTF, e o desafio é encontrar o equilíbrio entre a recuperação da facturação e a definição de um novo caminho para o futuro.

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A reacção da indústria depende também muito das exigências ambientais dos consumidores manuel roberto

Nos últimos anos pré-pandemia, o termo overtourism, turismo intensivo, popularizara-se, com vários exemplos, mais ou menos mediáticos – desde destinos emblemáticos a limitarem o acesso a turistas (notoriamente, Veneza e Bali) a praias fechadas devido à poluição, sem esquecer problemas de abastecimento de água em alguns pontos turísticos. “Durante o período de pandemia, tivemos a satisfação de ver que muitos dos gestores de destinos e responsáveis pela formulação de políticas nacionais aproveitaram a pausa nas viagens para planear formas mais sustentáveis de turismo”, afirma o CEO da GSTC. Deste ponto de vista institucional e público, refere Alexandre Guedes, o sector tem reivindicado várias funções: por um lado, na “liderança de processos” - de que é exemplo, em Portugal, o Plano de Turismo +Sustentável 2020-2023 (coordenado pelo Turismo de Portugal, 2021), ou a aplicação de taxas turísticas – das ilhas Baleares à Tailândia, passando pelas autarquias de Lisboa e Porto, sem esquecer Veneza (que também baniu os cruzeiros); por outro, “como receptor de programas e medidas de certificação” elaboradas por várias ONG.

Do lado da indústria, “é difícil generalizar”, sublinha Randy Durban, uma vez que é “muito diversa”. Contudo, “os negócios adoptam medidas sustentáveis mais rapidamente quando os consumidores perguntam por elas ou as exigem”. E a verdade é que “não só a sustentabilidade é uma questão social importante, como também os os consumidores estão a tornar-se mais conscientes das práticas sustentáveis, à medida que a informação se torna mais transparente”, sublinha Alexandre Guedes.

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Várias empresas desenvolvem “programas de responsabilidade social e ambiental (na imagem, alojamentos nas Pedras Salgadas) nelson garrido

“O reforço da transparência na comunicação da sustentabilidade” é notório – e vários são os exemplos de empresas que comunicam os seus relatórios de sustentabilidade, desde a Ibéria, na aviação, à Royal Caribbean, nos cruzeiros, ao Sheraton Cascais, nos hotéis - ou até a Google, que, desde 2021, exibe distintivos das eco-certificações dos hotéis nas buscas. Simultaneamente, várias empresas desenvolvem “programas de responsabilidade social e ambiental, em linha com Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”, que também têm “uma função comunicacional e de marketing” - a Booking.com, por exemplo, financia iniciativas não lucrativas que aplicam práticas sustentáveis e oferece um programa de viagens sustentáveis, o grupo Accor tem o programa “Planet 21” (lançado em 2011, aborda 10 dos 17 ODS), o Marriott o “Serve 360”, o Grupo Pestana o “Planet Guest”.

Foco tripartido

No geral, parecem viver-se tempos optimistas. “Estamos num momento crucial para a sustentabilidade no turismo. A sustentabilidade tem estado no centro das conversas e tem havido acções e compromissos desde há muito tempo”, nota Christopher Imbsen [a 1.ª Conferência Mundial de Turismo Sustentável realizou-se em 1995], “mas nunca tivemos tão grande impulso e consciência sobre a importância e urgência de construir um modelo de turismo mais saudável e resiliente, que coloque um foco igual no meio ambiente, no aspecto social e no desenvolvimento económico”.

Este foco tripartido é precisamente a base do conceito de turismo sustentável definido pela OMT em 2005, que foi aprofundado no final da primeira década deste século, quando, explica o professor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e doutorado em Novos Recursos e Sustentabilidade em Turismo Alexandre Sousa Guedes, “foi ganhando adesão a possibilidade de anexar este conceito à matriz de desenvolvimento dos países e regiões”. E foi neste contexto que em 2015 se apresentou a Carta Mundial de Turismo Sustentável +20 (que incorpora os 17 ODS adoptados na Cimeira das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável), respondendo à “intensificação das viagens no mundo”, por um lado, e ao “impulso muito importante de algumas organizações não-governamentais (ONG)”, por outro, aponta o docente.

Porque se a indústria do turismo se tornou a terceira maior indústria exportadora do mundo (apenas atrás dos combustíveis e produtos químicos, segundo a OMT), logo, um motor relevante para o emprego e desenvolvimento económico, simultaneamente começaram a surgir alertas para os possíveis problemas ambientais e de poluição, a ameaça às estruturas sócio-económicas e aos grandes consumos de recursos escassos.

Por isso, Ben Lyman não tem dúvidas: “O turismo tem de adaptar-se e inovar: os negócios e destinos bem-sucedidos irão transformar-se na próxima década devido à exigência da descarbonização e à necessidade crescente de garantir que as prioridades locais são atendidas”.