Russos apertam cerco a cidades estratégicas
Com intensos bombardeamentos em Mariupol, Kharkiv e Kherson, autoridades locais descrevem dificuldades para recuperar corpos ou auxiliar feridos.
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As forças russas estão a intensificar o seu assalto às principais cidades da Ucrânia, incluindo a capital, Kiev, e o porto estratégico de Mariupol, na costa do mar de Azov. Em Kherson, outro porto do Sul do país, na margem do rio Dniepre, o presidente da câmara disse estar “à espera de um milagre” para poder recolher corpos e restaurar os serviços básicos, enquanto a Rússia afirma controlar a cidade.
Com os responsáveis de Mariupol a darem conta de “pesadas baixas”, incluindo “pelo menos centenas de pessoas mortas” num bairro ribeirinho da cidade que ficou “quase totalmente destruído”, e onde as autoridades não estavam a conseguir chegar, a cidade estará, tal como Kiev, quase cercada.
“Neste momento, há combates pelo controlo da cidade e esta só está acessível por um dos lados. Os bombardeamentos são constantes”, disse ao jornal The Guardian um soldado ucraniano, prestes a ser transferido para a linha da frente. “Não conseguimos sequer retirar os feridos das ruas, das casas e dos apartamentos”, afirmou o presidente da câmara, Vadym Boichenko, citado pela agência independente russa Interfax.
“Acreditamos que eles querem fazer em Mariupol o que estão a fazer em Kiev e Kharkiv. Estão a tentar cercar-nos e destruir-nos com artilharia. Querem matar civis e danificar infra-estruturas civis”, descreveu o soldado ouvido pelo Guardian. “É isso que temos de impedir.”
Kharkiv, cidade de 1,5 milhões de habitantes cercada há vários dias, assistiu esta madrugada à aterragem de pára-quedistas russos, que se envolveram logo depois em combates com tropas ucranianas. Foi também nesta cidade do Nordeste, que é a segunda maior da Ucrânia, que se verificaram para já os maiores bombardeamentos do sétimo dia da ofensiva russa, incluindo alguns que atingiram o centro e o próprio conselho municipal. As autoridades regionais falam em “dezenas de mortos”.
Também no Nordeste, mas mais perto de Kiev, na cidade de Konotop, o presidente da câmara organizou uma assembleia ao ar livre onde explicou aos residentes que tinha recebido um ultimato das forças russas. “Fizeram-nos um ultimato. Se começarmos a resistir, vão destruir a cidade com disparos de artilharia”, disse Artem Semenikhin, citado pelo Guardian. “Se estiverem dispostos a isso, vamos lutar”, acrescentou, antes de pedir aos presentes que votassem. Em resposta, os habitantes gritaram que querem lutar.
É em parte por esta zona que os russos tentam fortalecer a terceira frente da ofensiva sobre Kiev, para alcançar a cidade vindos de Leste. “Estamos a preparar-nos e vamos defender Kiev. Kiev resiste e vai resistir”, escreveu nas redes sociais Vitali Klitschko, presidente da câmara. Horas antes, o ministro da Defesa russo, Serguei Shoigu, apelou aos habitantes da capital ucraniana para deixarem a cidade.
Isto enquanto a enorme coluna de soldados, tanques, blindados e artilharia que na terça-feira se encontrava a uns 25 quilómetros do centro de Kiev, vinda de Norte, parece continuar sem grandes avanços. Referindo problemas de abastecimento de combustível, um responsável do Departamento de Defesa norte-americano disse à CNN que a coluna permanece “basicamente… onde estava ontem”.
Em Kherson, a única cidade de dimensão significativa (e capital regional) que os russos reclamam controlar, o governo municipal garante que continua em funções e que a batalha continua, apesar de admitir que as condições são terríveis. Faltam alimentos e medicamentos e “há muitos civis feridos”, escreveu o chefe da segurança regional, Gennady Laguta, na aplicação de mensagens Telegram.
A falta de alimentos começa a ser uma realidade em várias cidades cercadas ou quase cercadas, como Kharkiv, onde também já existe preocupação com a capacidade dos hospitais para continuarem a funcionar. O receio manifestado nos últimos dias por responsáveis norte-americanos e britânicos é que Moscovo recorra às tácticas que usou contra as populações na Tchetchénia ou, mais recentemente, na Síria, onde apoia o ditador Bashar al-Assad: cercos prolongados a cidades onde houve bolsas de resistência para levar as populações ao limite e formar a submissão dos combatentes.