E agora? O que dizer aos miúdos?
Agora, mais do que nunca, não nos podemos esquecer dos valores que lhes queremos passar: compaixão, amor, capacidade de ouvir o outro, de negociar em lugar de destruir pela força ou pelo insulto.
Querida mãe,
Enquanto subia ao Castelo de Monsaraz, o mini E. empunhava a espada e dizia “Mãe vamos atacar?” E eu, normalmente tão pronta a juntar-me ao meu pequeno pirata, engoli em seco. Olhei para aquelas muralhas, lindas, e pensei a sorte que é estarem a ser usadas para turismo e brincadeira e não para uma guerra verdadeira.
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Querida mãe,
Enquanto subia ao Castelo de Monsaraz, o mini E. empunhava a espada e dizia “Mãe vamos atacar?” E eu, normalmente tão pronta a juntar-me ao meu pequeno pirata, engoli em seco. Olhei para aquelas muralhas, lindas, e pensei a sorte que é estarem a ser usadas para turismo e brincadeira e não para uma guerra verdadeira.
Na nossa última birra prometi-lhe ideias de como devemos falar com as crianças sobre a guerra, e embora já muito tenha sido (bem) escrito sobre o assunto, arrumei estas reflexões — veja lá se fazem sentido para si?
É legitimo proteger os nossos filhos
Primeiro, separando aquilo que podemos controlar daquilo que não podemos. Sim, é verdade que é um privilégio não serem as nossas crianças a confrontar a violência que se vive na Ucrânia, e que as crianças ucranianas e russas (bem como tantas outras, noutros lugares do mundo!) não têm essa sorte. Mas temos de o sentir como uma bênção e tirar partido dessa enorme graça, sem nos culpabilizarmos — e os culpabilizarmos a eles — por isso.
A empatia cresce com a paz e sentimentos de segurança
Os estudos revelam que as pessoas são mais empáticas e solidárias quando não estão em pânico. Quanto mais medo temos, mais em modo de sobrevivência ficamos e menos capazes somos de atender às necessidades dos outros. Desejamos que os nossos filhos sejam empáticos e conectados com as realidades mais difíceis, mas isso não implica de forma nenhuma colocá-los em estado de alerta permanente. Podemos dizer-lhes que estão seguros aqui, que é o que eles, fundamentalmente, querem saber.
A exposição com impotência é só assustadora
Ver imagens de guerra em loop faz crescer o medo, a frustração, a raiva e o sentimento de impotência. Que não levam a lado nenhum. Por isso, vamos ter cuidado com a televisão ligada, optando por informá-los a partir da idade em que tenham interesse em saber e maturidade para perceber, mas o mais importante de tudo é sempre escutá-los. São as perguntas deles que devem modelar as nossas respostas, para não os afundarmos em informação, a mais ou a menos. E, acredite, eles têm perguntas.
Mas a melhor forma de combater a impotência é envolvê-los em iniciativas práticas, para que vejam que a bondade no mundo está muito ativa, que a compaixão persiste, que apesar do que as aparências indicam a maioria das pessoas é bondosa, generosa e trabalha pelos outros e pela paz.
As redes sociais não são fontes de informação
As redes sociais são locais onde as pessoas partilham certas coisas para criar uma certa imagem. Mesmo as pessoas mais genuínas filtram o que é partilhado — e, muitas vezes, cedem à pressão gigantesca do grupo. Podem ser um óptimo lugar para mobilizar pessoas e criar iniciativas, mas não são uma fonte fidedigna de informação.
Mas, se é verdade que, neste momento, falar de alguma coisa que não seja sobre a guerra parece “leviano”, e por isso é bom lembrar-lhes (e a nós mesmo) que é possível ser ultra solidário sem postar absolutamente nada nas redes sociais. Que é legítimo proteger a nossa sanidade mental não vendo e ouvindo tudo, a toda a hora. Que estão autorizados a questionar as narrativas que lhes são apresentadas, que podem querer saber o que pensa os que estão “do outro lado”. É também útil mostrar lhes manipulações de imagens, e de como é sempre melhor pecar por defeito e não partilhar nada que não tenham 100% certeza de que é verdadeiro.
Mãe, e há mais uma coisa: agora, mais do que nunca, não nos podemos esquecer dos valores que lhes queremos passar: compaixão, amor, capacidade de ouvir o outro, de negociar em lugar de destruir pela força ou pelo insulto. E esses valores passam na forma como falamos uns com os outros sobre a guerra, na forma como julgamos os outros (sobre o que dizem, pensam ou escrevem).
Desculpe, há ainda uma outra: não nos podemos esquecer que os olhares preocupados dos miúdos vão estar pregados a nós, à procura de segurança e de exemplo. Vamos arregaçar as mangas e dar-lhes o melhor que conseguirmos.
Querida Ana,
Assino por baixo das tuas reflexões, mas sublinho um ponto: parece-me que é o momento certo para ensinar os filhos adolescentes a consultar jornais fidedignos, a criarem o hábito de aceder aos seus sites e páginas — o PÚBLICO teve a excelente iniciativa de abrir estes conteúdos a não assinantes, e os mais velhos podem encontrar artigos de perguntas e respostas, mapas e infografias que ajudam a entender o que está a acontecer. É uma boa altura, acrescento, de lhes lembrar como o trabalho dos jornalistas que estiveram e ainda estão na Ucrânia é heroico, dos riscos que correm, não porque é “excitante” ou “uma aventura”, mas porque sem eles seria mais fácil o mais forte dizimar o mais fraco sem deixar rasto.
Sei que as imagens chocam, que os depoimentos de mães que fogem com os filhos ao colo, que o depoimento de gente que já fugiu são duros de ver, e nos partem o coração, mas são esses os momentos em que tomamos consciência de que aquelas pessoas são iguais a nós, que podíamos ser nós. Essa indignação é boa. E a exposição a tudo isto tem de ser doseado, sob risco de, como tu dizes, mergulhar os miúdos no pânico e num desesperado sentimento de impotência, parece-me que, bem mediado pelos pais, pode ser necessário e fundamental. Porque, Ana, também os temos de ensinar que em situações limite é heroico dar a vida por aquilo em que se acredita — mesmo que só se tenha uma máquina fotográfica na mão.
No Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Mas, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram.