Bruxelas admite manter cláusula de escape em 2023 se a guerra travar a economia
Ainda é cedo para avaliar o impacto do conflito no desempenho da economia, mas os riscos de contracção não devem ser subestimados, avisou Paolo Gentiloni. O cenário para já é de abrandamento, mas não de inversão da tendência expansionista.
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A Comissão Europeia está preparada para reavaliar a sua proposta para a desactivação da cláusula de escape do Pacto de Estabilidade e Crescimento prevista para o final deste ano, e manter as regras da disciplina orçamental suspensas em 2023, de forma a garantir aos Estados-membros a margem necessária para intervir se a guerra na Ucrânia provocar uma deterioração muito acentuada da situação económica e financeira da União Europeia.
O impacto da guerra na Ucrânia no fornecimento energético e nas cadeias de abastecimento globais, bem como os efeitos negativos sobre a economia europeia das medidas restritivas e sanções que Bruxelas avançou contra a Rússia, são para já incalculáveis. A Comissão não tem dúvidas de que o conflito militar vai inevitavelmente conduzir a um abrandamento da actividade e do crescimento da União Europeia (UE), mas por enquanto não estima que essa contracção ponha em causa a expansão económica projectada para este ano.
No entanto, o cenário é de risco elevado e máxima incerteza, como alertaram o vice-presidente executivo da Comissão, Valdis Dombrovskis, e o comissário da Economia, Paolo Gentiloni, esta quarta-feira, na apresentação de uma comunicação com as orientações de política orçamental que foram avançadas aos Estados-membros, para a preparação dos seus programas de estabilidade e convergência em 2023.
“Estes são tempos excepcionais. Estamos naturalmente dispostos a reagir e a ajustar as nossas políticas perante a evolução das circunstâncias”, afirmou Valdis Dombrovskis, acrescentando que a decisão de desactivar a cláusula de escape do PEC em Janeiro de 2023, será revista em Abril, no âmbito do pacote da Primavera. “Avaliaremos a situação e tomaremos uma decisão mais definitiva quando tivermos elementos mais concretos sobre o impacto desta crise”, confirmou o comissário da Economia.
Paolo Gentiloni, que há três semanas apontou um cenário de crescimento de 4% na UE (e 5,5% em Portugal) para este ano, lembrou que tinha referido o risco das tensões geopolíticas na apresentação das previsões económicas de Inverno. “Infelizmente, esse risco materializou-se com uma nova guerra na Europa”, lamentou, notando que “ainda é demasiado cedo para avaliar o seu impacto nas projecções”.
“O que sabemos é que haverá um impacto negativo, com uma combinação de factores entre os quais as repercussões que o conflito e as medidas já anunciadas vão ter sobre os mercados financeiros, os preços da energia e outras matérias-primas, ou o constrangimento das cadeias de abastecimento”, enumerou o comissário, apontando ainda para os efeitos indirectos que se vão manifestar em termos da confiança para o consumo e o investimento dos agentes económicos e das famílias.
Com a Europa a começar a levantar a cabeça depois da crise da covid-19, a Comissão espera que todos os riscos económicos associados a uma guerra — e “que não podem e não devem ser subestimados”, de acordo com Gentiloni — possam dissipar-se rapidamente, para que não se inverta a actual tendência expansionista. Por enquanto, a expectativa é que a instabilidade retire alguma força à recuperação da pandemia, mas não comprometa os esforços dos 27 de executar os planos nacionais de recuperação e resiliência, e acelerar a dupla transição ecológica e digital.
Por isso mesmo, o executivo avançou com a sua comunicação para a coordenação das políticas económicas e orçamentais entre os 27. As orientações que seguiram para as capitais ainda são qualitativas e não quantitativas: a Comissão voltou a pedir aos Estados-membros que mantenham o seu apoio orçamental, promovendo e protegendo o investimento público, mas com atenção à sustentabilidade das contas públicas.
“Os Estados-membros com um nível de endividamento mais elevado devem priorizar uma melhoria gradual da sua situação, limitando o crescimento da despesa corrente. Aqueles que têm um baixo nível de endividamento, e por isso menos esforço de ajustamento, devem investir na dupla transição”, recomendou Valdis Dombrovskis.
O vice-presidente executivo confirmou que Bruxelas não iniciará nenhum procedimento por défice excessivo aos Estados-membros que ultrapassarem a margem de 3% fixada no Pacto de Estabilidade e Crescimento em 2022, e também que não exigirá a aplicação da regra de 1/20 para o esforço de consolidação dos países com uma dívida pública acima dos 60% do PIB.
Nas suas recomendações, a Comissão aconselha os países mais endividados, como Portugal, a “iniciar um ajustamento orçamental gradual para reduzir o elevado nível da dívida pública”. A palavra-chave é “gradual”, assinalou Dombrovskis, lembrando que uma consolidação demasiado abrupta seria contraproducente. “Trata-se de encontrar um bom equilíbrio”, disse.