Apoio jurídico gratuito dos advogados: “A minha avó recebeu duas crianças na Segunda Guerra”

Sete centenas e meia de profissionais da advocacia disponibilizam os seus serviços pro bono aos ucranianos afectados pela guerra que deles precisarem.

Foto
Márcia Rosa (à direita), Helena Brito (esquerda, em cima) e Ana Ferreira

Até às 17h desta segunda-feira eram 755 os advogados que tinham oferecido gratuitamente os seus serviços jurídicos aos ucranianos que deles precisem por causa da guerra. Em causa estão sobretudo pedidos de asilo para quem chega, mas esses serviços também servirão para tratar da papelada de quem reside em Portugal e quer ir defender o seu país, atravessando fronteiras por via terrestre. Solicitadores e notários fizeram o mesmo.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Até às 17h desta segunda-feira eram 755 os advogados que tinham oferecido gratuitamente os seus serviços jurídicos aos ucranianos que deles precisem por causa da guerra. Em causa estão sobretudo pedidos de asilo para quem chega, mas esses serviços também servirão para tratar da papelada de quem reside em Portugal e quer ir defender o seu país, atravessando fronteiras por via terrestre. Solicitadores e notários fizeram o mesmo.

Há muito que Ana Ferreira, uma advogada de 55 anos a exercer em Leiria, tem bons amigos na comunidade ucraniana da região. Como a maioria dos colegas que integram as listas de profissionais que se voluntariaram para ajudar junto da Ordem dos Advogados, condena a tentativa de ocupação russa: “Esta guerra é uma monstruosidade”. O desespero dos seus concidadãos, conhece-o bem de perto: uma amiga deixou na Ucrânia um filho com 18 anos acabados de fazer, e que por isso corria o risco de ser integrado nas forças de combate. Tenta neste momento resgatá-lo a esse destino. “Ela está em pânico”, descreve Ana Ferreira, que já preparou documentos para permitir que o jovem entre em Portugal.

E recorda a sua avó materna, que “recebeu em Fornos de Algodres, durante a Segunda Guerra Mundial, duas crianças refugiadas”. As gémeas austríacas de origem judaica ficaram com ela durante quase um ano, enquanto os pais se mantinham no país de origem. Quarenta anos depois as irmãs vieram visitar a idosa como prova de reconhecimento. “Agora é a minha vez”, diz a advogada, com empenho. “Se chegarem crianças também as poderei acolher”.

Com escritório em Alcabideche, Cascais, Ana Antunes também está à espera que lhe cheguem os primeiros pedidos para começar a ajudar, naquilo que toma como um empreendimento familiar: como o filho é solicitador, pode encarregar-se de tarefas como o reconhecimento de assinaturas, cabendo-lhe a ela enquanto advogada solicitar autorizações de residência junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. “O meu filho é que me pode dar os ovos para a omelete”, compara, para em seguida lamentar: “A Ucrânia não merece o que se está a passar”. Diz-se inspirada pelo advogado alemão que viajou até à fronteira da Polónia com a Ucrânia para ajudar os refugiados a tratar das formalidades necessárias à entrada em território polaco.

“Estamos disponíveis para ajudar os que vêm juntar-se às suas famílias em Portugal, os que querem voltar à Ucrânia e também aqueles que nunca cá estiveram antes”, resume Ana Antunes.

O domingo de Helena Brito, advogada em Almada há mais de três décadas e meia, foi passado num frenesim, entre redes sociais, telefonemas e tudo o que mais pôde fazer para entrar na campanha de solidariedade. “Também contactei com uma associação luso-ucraniana e com a Ordem dos Notários, que tinha lá pessoas apesar de ser fim-de-semana”, descreve. No seu escritório foram seis os profissionais a oferecer apoio jurídico pro bono. “Estou muito incomodada com o que está a acontecer lá”, observa. “Agora que nos oferecemos é esperar que precisem de nós”.

Na Ordem dos Advogados, Márcia Martinho da Rosa, da comissão de direitos humanos, faz parte da task-force que o bastonário pôs a coordenar esforços. “Pedidos de apoio ainda não temos”, informa. Mas a adesão dos profissionais da advocacia a esta onda está a superar expectativas. “Os refugiados têm 90 dias para proceder ao pedido de asilo, mas é preciso que o façam o mais depressa possível”, explica, chamando a atenção para uma idiossincrasia do sistema: “Estas pessoas têm direito a advogado oficioso. Mas para o requererem é preciso estarem inscritos na Segurança Social portuguesa”, dizia ontem. Mas esta terça-feira de manhã o Governo anunciou a simplificação deste e de outros procedimentos.

Márcia nunca pensou que a mobilização se revelasse tão forte: “É grandioso termos estes colegas todos a voluntariarem-se”.