Na estrada de Kharkiv para Dnipro: postos de controlo, armas e a vontade de dar luta aos russos
Foi à justa que um grupo de jornalistas conseguiu sair da cidade atacada pela artilharia russa. Horas depois, a cidade onde ao fim de quatro dias muitos arriscaram sair dos abrigos para procurar alimentos, foi bombardeada.
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Quando estávamos a um passo de nos irmos embora do hotel, ouviu-se uma explosão tão próxima que voltámos a correr para o átrio. Parecia que a janela de oportunidade para sairmos da cidade se acabava de fechar. Porém, após um minuto de calmaria, regressámos ao carro e rumámos a sudoeste.
No domingo, tropas russas invadiram a cidade, a segunda maior da Ucrânia, a 40 quilómetros da fronteira com a Rússia. Mas foram repelidos pelos militares ucranianos. Uma segunda investida russa, mais forte, era previsível e já poucos jornalistas estrangeiros permaneciam na cidade.
Apesar de termos investido em reportagens em Kharkiv – já estávamos na cidade desde antes do início da invasão russa –, decidimos que era seguro juntarmo-nos a um grupo de jornalistas que partia, em dois automóveis, para Dnipro, 209 km para sudoeste. O Google Maps indicava uma viagem de perto de três horas.
Ucranianos em todo o país enfrentaram uma escolha idêntica à nossa: ficar e correr os riscos de haver um assalto russo, ou fazerem-se à estrada, em condições imprevisíveis e arriscadas. Tivemos a sorte de ter recursos para sair – uma opção não disponível para todos os habitantes de Kharkiv.
Encontrámos, à saída, as ruas da cidade desertas. Cinco dias antes, as mesmas ruas estavam agitadas com o trânsito da hora de ponta. Um carro ultrapassou-nos freneticamente. O motorista gritou pela janela que estávamos a andar demasiado devagar. Os ataques de artilharia ainda se ouviam à distância, mas depois de quatro dias de constantes bombardeamentos já nos tínhamos habituado àquele barulho. Aparentemente, os habitantes de Kharkiv também.
Enquanto conduzíamos, vimos uma fila de mais de cem pessoas à porta de uma mercearia. Após quatro dias abrigada em caves e nos corredores e plataformas de metropolitano, a população estava desesperada para se reabastecer. Os estrondos, ainda distantes, pelo menos aparentemente, não os amedrontava ao ponto de deixarem os seus lugares na fila.
Sabíamos que íamos encontrar postos de controlo com pessoas armadas a caminho de Dnipro, e o primeiro surgiu logo à saída do centro da cidade. Homens com uniformes de estilo militar ergueram barricadas ao longo da estrada e mandavam parar os carros. No nosso automóvel, todos usávamos coletes à prova de bala. Eu ia ao volante e tentei tapar o meu colete com um lenço para não alarmar os soldados, que estão debaixo de grande pressão nestes postos de controlo.
No nosso carro seguiam quatro pessoas, o homem armado quis ver apenas um passaporte. Satisfeito por ser americano, deixou-nos seguir. No posto de controlo seguinte, todos tivemos que mostrar o passaporte e foi preciso abrir o porta-bagagens.
Não ficou claro se estes postos eram controlados por soldados das Forças Armadas ou por homens das milícias civis. Vimos muitos destes milicianos nas ruas de Kharkiv e nas estradas durante a nossa viagem. Usavam roupa normal e empunhavam armas.
Parámos numa bomba de gasolina após 90 minutos de viagem, mas estava fechada. E estávamos quase a retomar a marcha quando vi dez homens, com as metralhadoras levantadas, a atravessar a rua para cercar os nossos automóveis. Um colega que estava no outro carro abriu a porta para sair e um dos homens gritou em russo: “Fique dentro do carro!”
Disse às pessoas no meu carro para não se mexerem e não falarem. Os homens eram membros de uma milícia ucraniana, tinham visto um dos nossos colegas tirar uma fotografia a uma placa da bomba de gasolina e pensou que podia estar a documentar os movimentos da milícia para informar os russos. Os colegas tiveram que pôr as mãos no ar enquanto desfaziam o mal-entendido.
Quando os milicianos abordaram o carro em que seguia, mostrei o meu passaporte, prometi que não tirávamos fotografias e deixaram-nos seguir.
O posto de controlo seguinte foi mais amigável. Os soldados mandaram encostar os dois carros para dar passagem a um veículo militar ucraniano que vinha atrás de nós. Um atirador pôs a arma em riste para garantir que o camião passava em segurança. Finalmente, quando viram os nossos passaportes, celebraram o facto de sermos de um país que apoiou a Ucrânia com mais de 2,7 mil milhões de dólares em ajuda militar. Um dos homens ergueu o punho e disse que estava pronto para “matar russos”. A viagem continuou.
Muitos sinais de trânsito foram retirados ou cobertos de tinta – numa tentativa de confundir as forças russas. Numa placa, alguém desenhou o sinal de inversão de marcha e escreveu “Moscovo”.
Conseguimos reabastecer em Novomuskovsk, onde, surpreendentemente, a vida parecia normal. Ao longo do caminho, vimos uma cratera deixada por um projéctil de artilharia. Aqui, 24 quilómetros a norte de Dnipro, os semáforos ainda funcionavam. Não havia filas para a gasolina ou para os supermercados.
Durante esta breve pausa, vi no telefone as actualizações sobre Kharkiv. Zonas civis tinham sido devastadas por ataques de artilharia russa – possivelmente bombas de fragmentação, que dispersam as munições que levam dentro. Foram confirmados 11 mortos e muitos ficaram feridos.
Pensei em todas as pessoas que arriscaram sair dos locais em segurança para ir buscar alimentos.
Nas duas horas que esperámos, na fila que era longa, para passar pelo último posto de controlo, continuámos a ver os relatos sobre Kharkiv. Os meus colegas, um fotógrafo e um jornalista de vídeo, tentaram captar imagens do congestionamento da estrada para chegar a Dnipro. Quando finalmente chegámos ao posto de controlo, um soldado pediu-nos para encostar o carro. Tinha a nossa matrícula anotada num bocado de papel. “Sabemos que vocês estão a tirar fotografias”, disse.
Assegurei-lhe que éramos jornalistas. O soldado pediu para sairmos do carro para o revistar. Depois de uma rápida olhadela ao porta-bagagens, deixou-nos seguir para Dnipro. A viagem, que costuma demorar três horas, tinha levado seis.
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post