Líderes da UE abrem a porta a Zelensky mas lembram que há regras para a Ucrânia poder entrar no clube
Presidente ucraniano assinou um pedido formal para a adesão do país ao bloco europeu, classificando-o como um momento histórico. Os 27 esforçam-se por encontrar uma forma diplomática de dizer que não basta enviar uma carta para poder entrar na UE.
A carta com o pedido oficial para a adesão da Ucrânia à União Europeia, assinada pelo Presidente Volodimir Zelensky em directo e ao vivo para as televisões, na segunda-feira à noite, ainda não chegou a Bruxelas — onde os dirigentes europeus se esforçam agora por dizer, da forma mais diplomática possível, para o líder ucraniano ir com calma e não comprometer a mensagem de unidade dos 27, obrigando os chefes de Estado e Governo a desdizerem-no.
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A carta com o pedido oficial para a adesão da Ucrânia à União Europeia, assinada pelo Presidente Volodimir Zelensky em directo e ao vivo para as televisões, na segunda-feira à noite, ainda não chegou a Bruxelas — onde os dirigentes europeus se esforçam agora por dizer, da forma mais diplomática possível, para o líder ucraniano ir com calma e não comprometer a mensagem de unidade dos 27, obrigando os chefes de Estado e Governo a desdizerem-no.
“Este é um momento histórico”, escreveu Zelensky, em legenda a uma fotografia publicada na conta oficial da Presidência da Ucrânia no Twitter, que o mostrava a assinar o pedido, numa secretária vazia no meio de um corredor do palácio presidencial de Kiev.
Tendo em conta a complexidade e lentidão que envolve um processo de adesão, pode-se considerar um momento “pré-histórico”: os parceiros europeus, que nunca fecharam a porta à entrada da Ucrânia (como de resto não o fizeram à Turquia, nem aos seis países dos Balcãs ocidentais, que aguardam há uma década para iniciar as negociações), não vão rever nem quebrar as suas próprias regras para convidar a Ucrânia a juntar-se ao clube.
“Isso é uma coisa que não está na ordem do dia, acredite. Temos de trabalhar em coisas mais práticas. Em qualquer caso, a adesão é algo que levará muitos anos e o que temos de dar à Ucrânia é uma resposta para as próximas horas. Não para os próximos anos, mas para as próximas horas”, repetiu o alto-representante para a Política Externa e de Segurança da UE, Josep Borrell, sem esconder uma certa irritação quando confrontado com uma pergunta sobre a eventual adesão do país à UE.
Depois de a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, ter lançado a confusão numa entrevista à Euronews, em que afirmou que a UE quer ter a Ucrânia no clube — “É uma de nós e nós queremo-la cá dentro”, afirmou —, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, veio a público deitar alguma água na fervura e assinalar que entre os 27 Estados-membros, que detêm o poder de dizer sim ou não à entrada de um país para a União, existem “diferentes opiniões e sensibilidades”.
O procedimento simplificado que o Presidente ucraniano reclama para o acesso expedito do seu país ao bloco europeu simplesmente não existe no Tratado da União Europeia. Ali, o que está escrito, no artigo 49.º, é que “qualquer Estado europeu que respeite os valores referidos no artigo 2.º e esteja empenhado em promovê-los pode pedir para se tornar membro da União”. O mesmo artigo explicita que é o Conselho da UE que se pronuncia sobre esse pedido por unanimidade, tendo em conta os critérios de elegibilidade aprovados pelo Conselho Europeu.
Quando a carta formal de Zelensky chegar ao Conselho de Assuntos Gerais da UE, que supervisiona o processo de alargamento e as negociações de adesão, arranca um processo de avaliação técnica para aferir se o país cumpre todos os critérios necessários para poder ser considerado um candidato oficial à adesão — um estatuto que alguns dos Estados-membros da UE já confirmaram estar disponíveis para conceder à Ucrânia.
Antes da reunião de emergência do Conselho Europeu da semana passada, os primeiros-ministros da Eslovénia e da Polónia, Janez Jansa e Mateusz Morawiecki, avançaram uma carta aberta em que apelavam aos seus parceiros a concretizar a “perspectiva europeia” para a Ucrânia, através do estabelecimento de uma data concreta para a sua inclusão no bloco: 2030. Esse apelo ganhou tracção, com os líderes dos países do Báltico a manifestarem o seu apoio à integração da Ucrânia no processo de alargamento em curso.
Nesta terça-feira, oito Estados-membros reafirmaram a disponibilidade para integrar a Ucrânia no processo de alargamento em curso, mas não colocaram nenhum prazo para isso.
Reafirmando a posição da França sobre o processo de alargamento, o Presidente Emmanuel Macron, que detém actualmente a presidência do Conselho da UE, considerou que seria imprudente e irresponsável da parte dos 27 andarem a fazer promessas que de antemão sabem que não podem cumprir.
A ministra alemã dos Negócios Estrangeiros, Annalena Baerbock, refreou as expectativas, lembrando as aspirações dos seis países candidatos dos Balcãs ocidentais, que já estão a proceder às reformas exigidas pela UE, e ainda não viram aberta a porta das negociações. Como Borrell, o primeiro-ministro dos Países Baixos, Mark Rutte, comentou que “este não é um debate para se ter neste momento”.
Mas o debate está aí. Esta tarde, o Parlamento Europeu votará uma resolução sobre a agressão da Rússia contra a Ucrânia que no seu ponto 31 “exorta as instituições europeias a trabalharem no sentido de conceder à Ucrânia o estatuto de candidato à UE, em conformidade com o artigo 49.º do tratado e baseado no mérito”.
Nos últimos anos, Bruxelas e Kiev têm vindo a trabalhar para aprofundar a sua cooperação económica e política (foi, aliás, a recusa do antigo Presidente Viktor Ianukovich em assinar um acordo de associação e parceria com a UE que deu origem aos protestos da Maidan, em 2013), mas ainda há um fosso de diferenças entre a Ucrânia e os países da UE em termos da ordem constitucional, sistema judicial ou aparelho económico. Todos estes são critérios de avaliação para uma eventual adesão.
O acordo de associação, com mais de 2100 páginas (contém um acordo de livre comércio que dá à Ucrânia um acesso privilegiado ao mercado comum europeu), foi fechado em Maio de 2014, depois de sete anos de negociações, mas só entrou formalmente em vigor em Setembro de 2017. Um processo de adesão à UE já implicaria prazos muito superiores a estes em tempos de paz.
Na década de 1990, a UE estabeleceu um conjunto de condições democráticas, políticas e económicas (os chamados “critérios de Copenhaga”) que os países candidatos têm de cumprir para entrar no bloco: terem comprovadamente instituições democráticas estáveis, que garantam o Estado de direito e os direitos fundamentais; um quadro institucional que assegure a implementação de todas as obrigações da UE, nomeadamente as decisões do Tribunal de Justiça, e uma economia de mercado em funcionamento e capaz de seguir as regras de concorrência do mercado interno.
Mais recentemente, no final de 2019, os 27 aprovaram uma revisão da “metodologia” do alargamento, com uma revisão dos procedimentos previstos para as negociações.