Há oito anos, Oksana fugiu da Crimeia e alertou para o que aí vinha
Quando a anexação da Crimeia pela Rússia estava iminente, Oksana fugiu com a família para Lviv. Nunca se esqueceu da terra natal, homenageando-a na cozinha.
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Passam exactamente oito anos do dia em que a Rússia deu o passo decisivo para a anexação da Crimeia — foi a 1 de Março de 2014 que Vladimir Putin autorizou a intervenção das forças russas na península, embora as movimentações militares já durassem há alguns dias. É um dia que Oksana Novikova recorda bem. Foi aí que decidiu que teria de abandonar o local onde nascera.
Com ela vieram perto de 40 familiares e amigos, incluindo o marido e o filho, num movimento que muito recorda aquele que milhares de ucranianos estão a ser forçados a fazer, desta vez em praticamente todo o território do país. “Na altura, eu gritava que aquilo era o início de uma guerra terrível, e tem sido assim desde há oito anos e agora esta é a continuação”, observa.
Lviv, cidade com a qual não tinha qualquer relação — “a minha família vivia há 300 anos na Crimeia” —, foi escolhida exclusivamente por ser o local mais longe da Rússia possível dentro da Ucrânia. E foi aqui que decidiu abrir uma pastelaria em que vende pastéis e pratos típicos da sua terra de origem, “muito populares” no extremo ocidental ucraniano. “É o nosso local da Crimeia em Lviv”, explica.
Quem aqui entra não tem como se enganar. Logo à entrada está um quadro que representa o mapa da península estilizado com as cores da bandeira ucraniana e a frase “A Crimeia é Ucrânia”. A pasteleira descreve um ambiente de permanente tensão na península desde a anexação, referindo detenções de pessoas que conhecia e até desaparecimentos. Os seus relatos confirmam o que várias organizações humanitárias têm vindo a denunciar nos últimos anos, com destaque para o aumento da repressão das autoridades locais e um cerco à imprensa independente.
Os pais de Oksana permaneceram na Crimeia. “São pessoas idosas que não queriam muitas mudanças na sua vida”, justifica. Há oito anos que não regressa à sua terra natal, nem sequer conseguiu ir ao funeral do pai.
Hoje, olha para milhares de compatriotas a fugirem das forças militares russas, tal como ela própria havia feito em 2014. “Eu previ que isto ia acontecer”, afirma. “Falámos com organizações internacionais, com a Unicef, com representantes das Nações Unidas, falámos com toda a gente. Não acreditaram em nós”, lamenta.
Tal como a esmagadora maioria dos ucranianos, Oksana encontrou uma forma de contribuir para a defesa do seu país: fornece diariamente pão aos refugiados que vão chegando a Lviv e aos militares e voluntários.
Apesar da guerra em todas as frentes lançada contra o seu país, Oksana acredita que voltará à Crimeia. “Estamos mais perto de recuperar a Crimeia do que há um ano”, afirma, sublinhando que a invasão lançada pela Rússia mobilizou o apoio internacional que até aqui diz não ter existido. “E há também noção da loucura do nosso vizinho”, acrescenta.
A possibilidade de a anexação poder vir a ser reconhecida internacionalmente como parte de um possível acordo de paz não a assusta, porque acredita que o mundo passou a olhar para as intenções da Rússia e do seu líder de forma diferente. “Putin não tomou a Crimeia para ir lá passar férias, mas para ter uma base militar para influenciar o Mar Negro e a Síria. É uma ameaça permanente e não apenas para a Ucrânia.”