Longe da Árvore: um livro que nos prepara para todas as maternidades

Esta crónica chama-se Longe da Árvore porque tem a aspiração de falar, a cada 15 dias, sobre o universo de famílias tocadas pela diferença. Sobre como estão (muitas vezes pouco ou mal) representadas nos livros, nos filmes e nas notícias.

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"A leitora que eu fui não sabia que, no futuro, ela própria seria mãe de uma criança com deficiência" Veronika Diegel/Unsplash

O livro Longe da Árvore – pais, filhos e a busca da identidade chegou à nossa casa alguns meses depois do nascimento da filha mais velha. Encomendei a versão original em regime de pré-venda no Verão de 2012. Estava ansiosa por recebê-la não por me ter tornado mãe há pouco, mas sim porque, na altura, estava a concluir uma investigação sobre genética e hereditariedade na ficção. O longo ensaio de Andrew Solomon não foi minimamente útil para o meu trabalho, mas até hoje congratulo-me com o erro de pontaria porque, com a vantagem do tempo, percebi que foi a obra que melhor me preparou os desafios da parentalidade.

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O livro Longe da Árvore – pais, filhos e a busca da identidade chegou à nossa casa alguns meses depois do nascimento da filha mais velha. Encomendei a versão original em regime de pré-venda no Verão de 2012. Estava ansiosa por recebê-la não por me ter tornado mãe há pouco, mas sim porque, na altura, estava a concluir uma investigação sobre genética e hereditariedade na ficção. O longo ensaio de Andrew Solomon não foi minimamente útil para o meu trabalho, mas até hoje congratulo-me com o erro de pontaria porque, com a vantagem do tempo, percebi que foi a obra que melhor me preparou os desafios da parentalidade.

Longe da Árvore (Quetzal, 2017) investiga como as famílias com filhos considerados “fora da norma” acolheram esta diversidade. O primeiro capítulo é dedicado à homossexualidade. Nele, Solomon fala da própria experiência, da forma áspera como os pais reagiram àquilo que julgavam ser um desvio, uma opção equivocada. Conta como foi submetido a sessões “terapêuticas” para ser “curado”, como tentou por muito tempo ser alguém que não era. Os nove demais capítulos debruçam-se sobre identidades ou condições que ultrapassam as vivências do autor: o autismo, a surdez, a esquizofrenia, a genialidade, a síndrome de Down ou o nanismo, por exemplo.

Recordo-me de ler alguns capítulos aleatoriamente — é um livro com mais de mil páginas, um companheiro fiel de cabeceira —, e sentir uma grande empatia por aquelas famílias. Este sentimento vinha misturado com um certo agradecimento por não passar por aquelas dificuldades. Ao que tudo indicava, o meu bebé era uma menina “perfeitinha”, como ouvi no dia do parto. A leitora que eu fui não sabia que, no futuro, ela própria seria mãe de uma criança com deficiência. Não sabia que testemunharia o desconforto que, infelizmente, ainda existe quando a homossexualidade sai do guarda-fatos doméstico. Não sabia também que o círculo de afectos ficaria cada vez mais vasto, incluindo pessoas com algumas das deficiências e identidades ali descritas. E, precisamente porque ignorava tanta coisa, a mulher que lia Longe da Árvore enquanto amamentava não foi capaz de perceber que tinha em mãos um livro transformador.

O título escolhido por Solomon é uma referência ao ditado anglo-saxónico que reza que um fruto não cai longe da árvore. Ou seja, “quem sai aos seus não degenera”, “filho de peixe sabe nadar”. São muitas as expressões, em diferentes culturas, que transmitem a ideia de que os filhos serão de algum modo parecidos com os seus progenitores. Esperamos quase sempre que os nossos rebentos atendam aos padrões sociais vigentes no que toca ao funcionamento do corpo e do cérebro, ao comportamento e à orientação sexual. Se tiverem de ser diferentes, que seja numa característica que os projecte para uma vida tida como bem-sucedida — uma inteligência acima da média ou uma beleza singular. Nunca um défice, uma falta, uma limitação. Porque a divergência parece ser incompatível com a percepção colectiva de uma família feliz.

Andrew Solomon passou cerca de dez anos a entrevistar pais de uma ponta à outra dos Estados Unidos. Ouviu o que tinham a dizer sobre o caminho longo que fizeram para aceitar, compreender e apoiar uma criança diferente. O autor começou a investigação sabendo que encontraria testemunhos complexos, doridos, contraditórios. Histórias de discriminação, abandono, ruína financeira, exclusão, frustração e desgaste mental. O que nunca imaginou foi que os relatos incluiriam alegria e contentamento. “O enigma deste livro é que a maioria das famílias aqui descritas acabaram gratas pelas experiências que teriam feito qualquer coisa para evitar”, escreve o autor, numa tradução livre. É preciso estar em contacto com a diferença para compreendê-la. E, por isso mesmo, obras como esta são essenciais para todos nós, em especial aqueles que decidem reproduzir-se.

Esta crónica chama-se Longe da Árvore porque tem a aspiração de falar, a cada 15 dias, sobre o universo de famílias tocadas pela diferença. Sobre como estão (muitas vezes pouco ou mal) representadas nos livros, nos filmes e nas notícias. E sobre o quanto podemos aprender com esta comunidade tão diversa quanto invisível que, há quase uma década, chegou à nossa casa dentro de uma caixa castanha da Amazon.