Kateryna e David criaram rede para ajudar ucranianos a chegar a Portugal. Pedidos e ofertas não param
A viver em Portugal, Kateryna Shepeliuk está a montar um call center e uma plataforma com o marido, David Carvalhão. Há muitos pedidos mas também ofertas. “Os portugueses não estão apenas a prometer fazer, estão realmente a fazer”, comenta.
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Kateryna Shepeliuk, 31 anos, e David Carvalhão, 43, praticamente não têm dormido desde há dois dias. Por causa dos efeitos da ofensiva da Rússia à Ucrânia, têm-se desdobrado a tentar ajudar pessoas. Criaram um site com informações úteis sobre como sair da Ucrânia e a partir de que fronteira, como chegar a Portugal, o que fazer e quando, como se organizar, o que é necessário para viver.
Nas próximas 48 horas contam ter disponível uma plataforma e um call center, com a ajuda de outro voluntário, Hugo Sousa, onde tudo isto se tornará mais eficaz. Chama-se We help Ukraine. “Infelizmente, agora só posso falar com uma pessoa de cada vez”, explica esta ucraniana a viver em Portugal, na Figueira da Foz, há vários anos e com experiência na área do voluntariado e das organizações não-governamentais. “Com o call center vamos conseguir ajudar mais pessoas.”
Só no chat do Telegram tinham, até ao final da tarde deste domingo, mais de 600 pessoas. No sábado, Kateryna conseguiu arranjar alojamento em Portugal para três famílias ucranianas, num total de oito pessoas, entre elas duas crianças. No chat há mensagens em português e ucraniano a cair a todo o minuto. “Há muitas pessoas de Portugal e da Ucrânia a ajudar e a apoiar. Muitas pessoas oferecem-se para acolher refugiados. Tenho mensagens de empresas de Portugal a oferecerem trabalho a ucranianos”, diz.
As filas para sair da Ucrânia e passar as fronteiras são longas e demoradas, por isso as famílias ainda devem demorar a chegar a Portugal. Há muita gente a caminho; eles têm ajudado com dinheiro, logística, informação, coordenação de boleias… Kateryna envia-nos print screens das mensagens que tem recebido com ofertas de ajuda e de acolhimento em casa. “Os portugueses não estão apenas a prometer fazer, estão realmente a fazer”, comenta.
Têm chegado a si porque conhece muita gente, tem uma rede de seguidores no Tik Tok e Instagram, e há ainda o boca-a-boca. O casal ajuda quem esteja a fugir da Ucrânia, independentemente da nacionalidade. “Muita gente vê as notícias e pensa que os ucranianos odeiam os russos, isso não é verdade. Ajudamos toda a gente.”
Uma das tarefas para ajudar na organização é o preenchimento de um formulário onde se escolhe se se quer ser ajudado ou ajudar, para depois se fazer o “matching”. No Telegram lemos mensagens de ofertas de ajuda: “Olá, sou a XXX. Estou disponível para ajudar com roupas, comida, informação ou para tentar encontrar um abrigo.” E de pedidos: “Estou à procura de casa durante 3-4 noites na região de Lisboa. Há alguém que possa ajudar? Há uma lista de casas disponíveis?”
Natural de Donetsk, Kateryna e a família abandonaram a cidade depois de a sua casa ter sido bombardeada, em 2014. A mãe e um dos irmãos estão em Moscovo e “não podem dizer nada, é muito perigoso falarem”, lamenta. A avó, irmãos, irmã e primos ainda estão em três cidades ucranianas. O filho e o pai também vivem em Portugal. Kateryna está “muito triste e preocupada”. “Estou a ajudar pessoas mas, infelizmente, ainda não consegui ajudar a família.” Porque estão em locais de onde é perigoso saírem, afirma; aguardam que “as coisas acalmem”.
Advogados oferecem serviços
Entretanto, do lado português também os advogados se estão a mobilizar para ajudar de forma gratuita os ucranianos. Este sábado, o Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados lançou o apelo para uma rede de ajuda e no dia seguinte já tinham cerca de 100 participantes. “Os advogados estão a aderir em massa”, segundo o presidente deste conselho, João Massano. Ainda estão a criar uma estrutura e contam ter traduções em paralelo. Até à tarde de domingo tinham recebido cerca de 30 pedidos de ajuda essencialmente para questões ligadas ao reagrupamento, ao reconhecimento de assinaturas ou a questões sobre o processo no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).