“Nós, ucranianos, temos de manter as portas abertas. Vamos pedir aos portugueses que também o façam”
Padre ortodoxo Ivan Buhakov desdobra-se em contactos com padres católicos, que já estão a fazer um levantamento de espaços. Dá o exemplo de seminários e santas casas da misericórdia. Julga que será preciso envolver também famílias que possam acolher refugiados nas suas casas ou emprestar segundas casas
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O padre ortodoxo Ivan Buhakov esteve esta quinta-feira duas vezes a protestar contra a invasão da Ucrânia, em frente ao Consulado da Rússia no Porto. E estará esta sexta-feira outra vez, em frente à Câmara do Porto. “Queremos chamar a atenção de todos. O que se está a passar é uma surpresa grande, uma surpresa feia.”
Congratula-se com a atitude do Governo português, que depressa se mostrou solidário com os ucranianos. “Contarão com toda a nossa solidariedade”, disse o primeiro-ministro António Costa. “Têm sido muito bem-vindos a Portugal. E a sua família, amigos e conhecidos que queiram procurar a segurança e o destino para dar continuidade às suas vidas são também muito bem-vindos.”
Desde que a guerra rebentou, na madrugada de quinta-feira, há gente a dirigir-se para as fronteiras terrestres com a União Europeia. “Vai chegar muita mais gente aqui”, prevê Buhakov. “Nós, ucranianos, temos de manter as nossas portas abertas. Vamos pedir aos portugueses que também o façam.”
Desdobra-se em contactos com padres católicos, que já estão a fazer um levantamento de espaços. Dá o exemplo de seminários e santas casas da misericórdia. Julga que será preciso envolver também famílias, que possam acolham refugiados nas suas casas ou emprestar segundas casas. Ainda antes, urge organizar meios de transporte para ir às fronteiras resgatar pessoas que estão a cruzá-las.
A guerra, para Buhakov, é muito concreta. É natural de Ternopil, uma cidade do oeste da Ucrânia, às margens do rio Seret. A mãe e a irmã, que é professora, lá estavam. O cunhado e a sobrinha, porém, encontravam-se em Kiev. Puseram-se em fuga, de carro, às 8h e ao cair da noite ainda não tinham chegado a casa.
O cunhado e a sobrinha estariam bloqueados na estrada. A irmã evitava telefonar-lhes para que não ficassem sem bateria. Ao ir para a segunda manifestação de quinta-feira, Buhakov questionava-se se estariam bem ou entre os feridos ou mortos de que se falava nas notícias. Haveriam de entrar em casa, sãos e salvos, já às 5h desta sexta-feira.
“Estamos muito preocupados”
“Estamos muito preocupados”, confessava o padre. “Vladimir Putin quer destruir tudo. Parece que quer acabar com os ucranianos. Há receio de que tome conta da produção de electricidade. Podem deixar o país sem luz.”
A manifestação da manhã de quinta-feira fora muito improvisada. “Foram umas 20 e tal pessoas. Estava marcada para as 11h. A polícia chamou a atenção porque não havia autorização, mas não mandou ninguém embora. Eu cheguei pelas 12h. Algumas pessoas já se tinham ido embora. Estivemos lá quase até às 13h.”
No novo protesto, agendado para as 18h30 no mesmo local simbólico, na Avenida da Boavista, juntaram-se “umas 200 pessoas”. Mulheres, homens, crianças, com bandeiras e cartazes, a reclamar a paz, a exigir que o Presidente da Federação Russa ordene uma retirada, a cantar o hino da Ucrânia.
“Fiz uma homilia, orações, em português e ucraniano”, resumia, já na manhã desta sexta-feira Buhakov. Ficou surpreendido com a quantidade de jovens que ali viu. “Há pessoas que vão deixar a emigração e que vão para a guerra. Não podemos deixar que isto aconteça ao país.”
Outros protestos haverá no Porto. O desta sexta-feira, pelas 18h30, será junto à câmara municipal. “Já está marcada para sábado uma missa, numa igreja grande, a Igreja do Marquês, pelas 21h. Vamos juntar portugueses e ucranianos em oração.”
Parece-lhe importante começar a pensar em angariar fundos para ajudar quem vai chegar, mas também quem lá vai continuar. “Vamos precisar de muita coisa. Ambulâncias, medicamentos, comida, dinheiro.” No terreno, já há organizações sem fins lucrativos a agir. Recolhem e distribuem doações, alimentos e suprimentos médicos a ucranianos deslocados dentro do próprio país e apoiam feridos e familiares de mortos, como a Cruz Vermelha, a People in Need e a Sunflower of Peace.
Esta sexta-feira, a família de Buhakov prepara-se para o pior. A irmã está a improvisar um abrigo na garagem. E a cozinhar mais para e eventualidade de ficarem sem luz. Nem só os combustíveis estão já a ser racionados. “Só podem comprar o pão para o dia. Lá em casa, são quatro pães por dia”, exemplifica. O que mais assusta é a possibilidade de ataques aéreos.