O papel do esforço na aprendizagem

Andamos a vender às nossas crianças a ideia falaciosa de que aprender não implica esforço por parte do sujeito que aprende. Fazemo-las acreditar que a aprendizagem tem de ser divertida.

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"Toda e qualquer tentativa de realização pessoal implica sempre alguma forma de superação" FRANCISCO ROMAO PEREIRA/arquivo

A ideia de que aprender não implica esforço, além de enganadora, pode ter impacto na qualidade das aprendizagens, contribuindo, ainda, para fragilizar as crianças, tornando-as menos robustas para ultrapassarem as adversidades e concretizarem os sonhos.

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A ideia de que aprender não implica esforço, além de enganadora, pode ter impacto na qualidade das aprendizagens, contribuindo, ainda, para fragilizar as crianças, tornando-as menos robustas para ultrapassarem as adversidades e concretizarem os sonhos.

Andamos a vender às nossas crianças a ideia falaciosa de que aprender não implica esforço por parte do sujeito que aprende. Fazemo-las acreditar que a aprendizagem tem de ser divertida, colocando o ónus da motivação do lado do lado do sujeito que ensina, a quem é pedido que invente a roda, se necessário for, para fazer com que os seus alunos desejem aprender.

Claro que o papel do professor é muito relevante para despertar o gosto pelo saber nos seus alunos e para a qualidade das aprendizagens. Ter um professor que goste da sua profissão, empenhado, cativante, entusiasta e empático tem, naturalmente, um papel determinante na relação que a criança tem com a escola e, em última análise, com o saber. A questão é que não pode ser atribuída ao professor toda a responsabilidade pelas aprendizagens dos seus alunos. Há uma quota-parte de responsabilidade que está inevitavelmente do lado do aprendiz. Com todo o apoio necessário por parte do adulto, o aluno tem de fazer a sua parte, implicando-se no seu processo de aprendizagem.

Essa implicação do aluno na sua aprendizagem pressupõe motivação, curiosidade e criatividade, num processo de construção do significado que, por vezes, até pode ser divertido. No entanto, julgo que há alguma confusão entre divertido e significativo. Se a aprendizagem for divertida tanto melhor, mas não tem necessariamente de o ser; pelo contrário, a aposta no significado é muito relevante para que a criança se envolva no seu processo de aprendizagem, atribuindo um sentido àquilo que aprende. Assim, é fundamental que a escola dê voz aos alunos para exprimirem a sua curiosidade e procure dar-lhes resposta, através de metodologias ativas que os mobilizem para a construção do seu saber.

Mas também não é menos verdade que aprender implica esforço, perseverança, resiliência, dedicação, paciência e disponibilidade por parte do sujeito que aprende para a realização de tarefas que podem eventualmente não ser do seu agrado ou que podem, porventura, agradar-lhe menos. A omissão desta parte da verdade, além de enganadora, acaba por se tornar prejudicial para a qualidade das aprendizagens, não só para as iniciais, como sobretudo para as subsequentes.

À medida que a escolaridade progride e os currículos se complexificam, torna-se necessário um maior investimento do aluno nas tarefas de estudo individual, o que implica autonomia, sentido de responsabilidade, organização, capacidade de adiar a recompensa e, ainda, esforço. É através do desenvolvimento destas capacidades que o aluno se apropria de estratégias metacognitivas que lhe permitem aceder ao saber e autorregular o processo de trabalho escolar.

Mas, não menos importante, esta ideia ilusória de que aprender não implica esforço também fragiliza as crianças, tornando-as impreparadas para lidarem com os desafios e ultrapassarem as adversidades com que, mais tarde ou mais cedo, vão ter de se confrontar. Leva-as a construir a ideia enganadora de que tudo é fácil ou, pelo menos, de que tudo lhes irá ser facilitado, o que não é de todo verdade, tal como irão ter oportunidade de constatar pela vida fora. Pelo contrário, o exercício do esforço contribui para muscular a resiliência, a persistência, a vontade, a responsabilidade, o comprometimento e a capacidade de superação de obstáculos.

Esta impreparação para lidar com os desafios e adversidades pode, no limite, impactar na consecução dos sonhos. Para nos tornarmos quem temos potencial para vir a ser é preciso talento, imaginação e vontade. Mas não só: também é fundamental empenho, resistência e esforço. Segundo Fernando Pessoa, a proporção é de 10% de inspiração e 90% de transpiração — o que, por outras palavras, é o mesmo que dizer que o talento dá mesmo muito trabalho.

Toda e qualquer tentativa de realização pessoal implica sempre alguma forma de superação — não em competição com os outros, mas sim no sentido de contrariarmos a nossa própria inércia, transcendendo a mediania. Para concretizar os sonhos, é necessário insistir e persistir e, apesar dos fracassos, perseverar. Quem consegue aproximar-se dos seus propósitos de vida não é quem nunca fracassou, é quem conseguiu superar os fracassos e aprender com as derrotas. E, para tal, é imprescindível essa quota-parte de investimento e esforço que sublima o talento em sucesso.


A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.