A vida passa-nos à frente dos olhos no momento da morte? Equipa de neurologistas quer investigar
Na Estónia, um incidente permitiu registar o comportamento do cérebro num homem que morreu enquanto realizava um electroencefalograma. E o observado leva a crer que a expressão de que a vida nos passa diante dos olhos na altura da morte pode não estar longe da verdade.
Depois de um octogenário ter desenvolvido um quadro de epilepsia, uma equipa de neurologistas da Universidade de Tartu, Estónia, pediu para medir as ondas cerebrais, através de um electroencefalograma contínuo (EEG). O objectivo passava por detectar convulsões e, com base nessa informação, tratar a doença. Mas, durante o exame, o homem, de 87 anos, que dera entrada no hospital em 2016 após um grave traumatismo craniano, sofreu um ataque cardíaco e morreu. O incidente permitiu, de forma inesperada, registar o comportamento do cérebro humano nos segundos antes do óbito e já após o coração parar de bater.
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Depois de um octogenário ter desenvolvido um quadro de epilepsia, uma equipa de neurologistas da Universidade de Tartu, Estónia, pediu para medir as ondas cerebrais, através de um electroencefalograma contínuo (EEG). O objectivo passava por detectar convulsões e, com base nessa informação, tratar a doença. Mas, durante o exame, o homem, de 87 anos, que dera entrada no hospital em 2016 após um grave traumatismo craniano, sofreu um ataque cardíaco e morreu. O incidente permitiu, de forma inesperada, registar o comportamento do cérebro humano nos segundos antes do óbito e já após o coração parar de bater.
Nesse período, e por haver um pedido explícito para não se proceder a manobras de reanimação, a EEG continuou a mostrar o que se passava no cérebro do homem, tendo-se assistido a padrões de ondas cerebrais rítmicas semelhantes às que ocorrem durante os sonhos, a meditação ou quando evocamos memórias.
“Medimos 900 segundos de actividade cerebral por volta da hora da morte e estabelecemos um foco específico para investigar o que aconteceu nos 30 segundos antes e depois do coração ter parado de bater”, disse o co-autor da exposição do caso Ajmal Zemmar, um neurocirurgião da Universidade de Louisville, EUA, à Frontiers Science News.
“Imediatamente antes e depois de o coração ter parado de funcionar, vimos mudanças numa faixa específica de ondas neuronais, as chamadas ondas gama, mas também noutras como as delta, teta, alfa e beta”, contextualizou para explicar que “através da geração de ondas envolvidas na recuperação da memória, o cérebro pode estar a reproduzir uma última recordação de eventos importantes da vida imediatamente antes de morrermos, semelhantes aos relatados em experiências de quase morte”.
Tendo sido, reclamam estes neurocirurgiões, a primeira vez que um cérebro humano foi “lido” no momento da morte, a equipa espera agora poder estudar mais casos no sentido de perceber se existe um padrão, já que esta descoberta poderá ter implicações morais, mas também de ordem prática. “Estas descobertas desafiam a nossa compreensão de quando termina exactamente a vida e geram importantes questões subsequentes, tais como as relacionadas com o momento da doação de órgãos.”
De momento, e havendo apenas um caso, sendo este associado a um quadro clínico muito específico (de epilepsia e com o cérebro inchado e com uma hemorragia, decorrente de um traumatismo), não é possível chegar a qualquer conclusão.
Por isso, nos últimos seis anos a equipa procurou exaustivamente outros casos que fundamentassem as suas suspeitas. Mas apenas encontraram um estudo de 2013, em ratinhos saudáveis, que observou níveis elevados de ondas cerebrais na altura da morte e até 30 segundos após o coração dos animais ter parado de bater. O que vai ao encontro do que aconteceu em 2016 com um cérebro humano.
“Nunca me senti à vontade para relatar um só caso”, assumiu Zemmar à BBC. No entanto, ao tornarem esta situação única pública, os neurocientistas esperam criar condições para mais estudos sobre o que acontece com o ser humano no momento final da vida.