“Contra-ataque” económico do Ocidente pode ser lento a atingir a Rússia

Não colocando a hipótese de deixar de comprar petróleo e gás natural à Rússia, Europa e EUA enfrentam mais dificuldades em fazer vacilar uma economia que, desde 2014, se tem vindo a preparar para uma nova vaga de sanções

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EPA/ANATOLY MALTSEV

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Beneficiando da subida do preço do petróleo e da adopção de políticas macroeconómicas prudentes durante os últimos anos, a economia russa está agora melhor preparada para enfrentar as sanções impostas pelas potências ocidentais e, pelo menos, adiar os efeitos negativos. No entanto, há armas ainda por usar pela Europa e pelos EUA com o potencial para provocar danos mais poderosos e imediatos.

Quando anunciaram as sanções com que pretendem responder ao ataque militar da Rússia à Ucrânia, os líderes ocidentais não tiveram problemas em elevar as expectativas em relação ao impacto das medidas tomadas. Ursula Van der Leyen disse que iriam “suprimir o crescimento económico russo, aumentar os custos de financiamento, e aumentar a inflação” e Joe Biden acrescentou que iriam “impor custos severos à economia russa” e “cortar para metade as suas importações de tecnologia”, entre outros efeitos pesados.

Do outro lado, contudo, são vários os indicadores que revelam que a Rússia não irá, desta vez, ser apanhada de surpresa pelas sanções até agora tomadas. Em 2014, na sequência da anexação da Crimeia, os EUA e a UE também impuseram diversas sanções económicas à Rússia, que ainda se mantêm em vigor, e o resultado foi, combinado com a descida no preço de petróleo que se registou na altura, a entrada da economia russa em recessão, com uma subida da inflação e uma depreciação do rublo que endureceram fortemente as condições de vida no país. De acordo com os cálculos feitos pelo FMI em 2015, as sanções contribuíram para reduzir o PIB russo entre 1% e 1,5% no curto prazo e 9% no longo prazo.

Terá sido por isso que, desde aí, a Rússia adoptou políticas destinadas a reduzir o risco de ocorrência de cenários semelhantes no futuro. Com a ajuda da subida do preço do petróleo que entretanto se registou nos mercados internacionais, a economia reduziu o seu endividamento com o exterior a um valor de apenas 32% do PIB, com a dívida pública a ficar-se pelos 17,9% do PIB.

Depois, houve o cuidado de aproveitar parte das receitas provenientes da venda de petróleo para fortalecer as reservas, quer do banco central, quer do fundo soberano. Neste momento as reservas de divisas estrangeiras acumuladas ascendem a 600 mil milhões de dólares, cerca de 40% do PIB, o que dá às autoridades do país uma maior capacidade, face ao que aconteceu em 2014, para defender a sua moeda nos mercados internacionais, sem ter de subir de forma radical as taxas de juro.

Outra política importante do Kremlin nos últimos anos tem sido a redução da dependência da economia face ao dólar, passando alguns dos seus compromissos financeiros e algumas das suas facturas para euros, rublos e mesmo ouro.

O dilema das sanções

Do lado da Europa e dos EUA, existe a esperança de que algumas das novas medidas agora aplicadas representem um golpe certeiro em áreas fulcrais da economia russa. Para além do alargamento do número de oligarcas, empresas e bancos que podem ver os seus activos congelados no Ocidente, o sector financeiro russo e as grandes empresas do país vão ter o acesso a crédito nos mercados financeiros internacionais (com Wall Street e a City londrina em destaque) bloqueado.

Esta medida pode vir, de forma progressiva, a dificultar a operação, quer dos grandes bancos russos, como o Sberbank ou o VTB, quer de empresas dos sectores petrolíferos e metalúrgicos, que estão habituados a suprir as suas necessidades de financiamento junto de investidores internacionais.

Outro tipo de novas sanções em que o Ocidente deposita esperanças é a limitação das vendas de bens de alta tecnologia e farmacêuticos. Cerca de 45% das importações feitas pela Rússia destes produtos tem origem na União Europeia (e 6% nos EUA), pelo que um corte completo deste fluxo pode criar constrangimentos, quer ao nível do consumo, quer na própria produção de bens por parte das empresas russas.

Em qualquer dos casos, os efeitos destas medidas, enquanto as autoridades russas tiverem os meios financeiros para assegurar a estabilidade macroeconómica no país e puderem contar com a China como alternativa aos negócios com o Ocidente, tendem a ser sentidos de forma progressiva.

Este contexto mais favorável permite à economia russa, principalmente tendo em conta que a Rússia continua a exportar o seu petróleo a preços (cada vez mais) elevados, resistir melhor ao reforço das sanções agora decretado pelos EUA, União Europeia e Reino Unido. Os impactos negativos não serão evitados (e a economia russa manterá certamente as debilidades estruturais que a têm limitado a ritmos de crescimento lentos), mas a entrada numa situação de ruptura, que foi rapidamente uma ameaça a seguir à anexação da Crimeia, pode demorar tempo a surgir. Certamente mais tempo do que aquele que é previsível para a definição da situação militar no terreno.

No entanto, há medidas que não fazem neste momento parte do pacote de sanções apresentado pela Europa e pelos EUA e que poderiam ajudar a produzir um choque mais imediato na economia russa.

A nível financeiro, bloquear o acesso da Rússia ao sistema bancário SWIFT - o principal sistema de comunicação que os bancos utilizam para realizar transacções transfronteiriças – poderia ter um impacto severo e imediato na capacidade das instituições financeiras russas continuarem a funcionar normalmente. Estudos feitos em 2014 pela própria Rússia, quando se colocou também a hipótese de tomar esta medida (não se avançando por oposição da Europa e dos EUA), estimavam que poderia conduzir, só por si, a uma perda de 5% no PIB do país.

E, depois, a derradeira arma económica contra a Rússia seria o bloqueio para a Europa e para os EUA das vendas de petróleo e de gás natural da Rússia. O petróleo representa neste momento 47% do total das exportações russas e o gás natural 6%, e a Europa é, de longe o seu principal destino. Cerca de 70% das exportações da Rússia para a Alemanha são de produtos energéticos.

Principalmente ao preço a que estão actualmente estes produtos, esta é uma receita de que a economia russa não pode abdicar. E encontrar alternativas à Europa como clientes, como a China, tem a dificuldade de exigir mudanças nas infra-estruturas que podem não ser possíveis de concretizar no curto prazo.

O problema, para a Europa e EUA, é que estas medidas – as que mais podem penalizar a Rússia – são também aquelas que mais custos podem implicar para si próprios. Os líderes europeus têm receio do impacto que um bloqueio à Rússia teria no funcionamento global do SWIFT. E, acima de tudo, assumem que a sua dependência energética é de tal forma significativa que deixar de comprar petróleo e gás natural à Rússia, mesmo em tempo de guerra, não é ainda uma possibilidade.