Partir a Operação Lex em dois é inconstitucional, diz Supremo
Decisão de juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça considerada inconstitucional pelos colegas. Magistrado entendia que todos os arguidos excepto um deviam ser julgados em primeira instância.
O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) deu esta quinta-feira razão a um recurso do Ministério Público e de dois arguidos da Operação Lex, tendo decidido que a instrução e eventual julgamento deste processo irá decorrer unicamente neste tribunal.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) deu esta quinta-feira razão a um recurso do Ministério Público e de dois arguidos da Operação Lex, tendo decidido que a instrução e eventual julgamento deste processo irá decorrer unicamente neste tribunal.
Fica assim afastada a possibilidade de julgar a maioria dos arguidos em primeira instância, como pretendia o conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça Sénio Alves, encarregue da fase de instrução do processo. Argumentava este juiz que como o principal arguido, o desembargador Rui Rangel, já tinha sido expulso da magistratura deixara de ter direito a ser julgado no Supremo. Foi por causa da sua qualidade de desembargador e do prestígio que esta função representa que toda Operação Lex tem sido tramitada no Supremo, e não no tribunal de primeira instância.
Mas no entender de Sénio Alves, a expulsão de Rangel da magistratura faria com que quer este juiz quer outros 15 arguidos tivessem de ser afinal julgados em primeira instância, ficando o Supremo encarregado de julgar apenas o ex-presidente do Tribunal da Relação da Lisboa, Vaz das Neves, que entretanto se jubilou. Suspeito de corrupção passiva e abuso de poder por ter alegadamente beneficiado Rui Rangel na atribuição de processos quando foi proferida a acusação do Ministério Público, em Setembro de 2020, Vaz das Neves continuava a ser juiz de um tribunal superior. Ao contrário dos colegas, nunca foi expulso da magistratura, mas apenas suspenso temporariamente de funções.
Sucede que o Ministério Público recorreu desta decisão de separar a Operação Lex em dois processos. O acórdão agora proferido pelo Supremo, e que teve como relatores dois colegas de Sénio Alves, os conselheiros Cid Geraldo e António Gama, recordam que, havendo um arguido no caso que mantém a qualidade de desembargador, Vaz das Neves, o processo deve continuar neste tribunal. A decisão de Sénio Alves de remeter quase toda a Operação Lex para o tribunal de instrução criminal de primeira instância “mostra-se ferido de inconstitucionalidade, por violar o princípio do juiz natural”, que garante a aleatoriedade na distribuição dos processos aos magistrados.
Em Janeiro passado o advogado de Rui Rangel, João Nabais, defendia que seria “mais saudável” que o ex-desembargador fosse julgado em primeira instância e não no Supremo, ao contrário do que pretendia o Ministério Público. Segundo disse então, era preferível alguém ser julgado em primeira instância e poder recorrer para um outro tribunal do que ser o mesmo tribunal (o Supremo) a julgar e a apreciar eventuais recursos que viessem a ser interpostos pelos arguidos.
Também arguida no processo, a ex-mulher de Rui Rangel, a desembargadora Fátima Galante, deixou igualmente de integrar a magistratura judicial, por ter sido aposentada compulsivamente. Para o Ministério Público, não era compreensível nem razoável que um processo com o melindre deste prosseguisse a dois ritmos, em diferentes tribunais.
Além dos três juízes desembargadores, foram acusados de crimes económico-financeiros um empresário de futebol, o então presidente do Benfica e um advogado, num total de 17 arguidos. Dirigido pela procuradora Maria José Morgado o inquérito da Operação Lex centrou-se na actividade desenvolvida por Rui Rangel, Fátima Galante e Luis Vaz das Neves - que, segundo a acusação, utilizaram as suas funções na Relação de Lisboa para obterem vantagens indevidas, para si ou para terceiros. Segundo uma nota da Procuradoria-Geral da República, para que fosse garantido o pagamento das vantagens obtidas pelos acusados, num montante superior a 1,5 milhões de euros, foi requerido na altura o arresto de património.
Enquanto decorria a investigação, o Conselho Superior da Magistratura decidiu expulsar Rui Rangel da magistratura e colocar Fátima Galante em aposentação compulsiva. Já Vaz das Neves jubilou-se em 2016 e foi substituído por Orlando Nascimento, que também já abandonou o cargo.
Rui Rangel está acusado de corrupção passiva para acto ilícito, abuso de poder, recebimento indevido de vantagem, usurpação de funções, fraude fiscal e falsificação de documento e Fátima Galante de corrupção passiva para acto ilícito, abuso de poder, fraude fiscal e branqueamento de capitais, enquanto Luís Filipe Vieira, ex-presidente do Benfica, é suspeito de recebimento indevido de vantagem. O empresário de futebol José Veiga, o oficial de justiça Octávio Correia, o advogado José Santos Martins e o seu filho Bernardo Santos Martins, são alguns dos outros arguidos, a par de Bruna do Amaral, ex-namorada de Rui Rangel.