Incêndios: Investigador da UTAD diz que relatório da ONU faz apelo à prevenção
Paulo Fernandes esteve envolvido na elaboração de relatório sobre incêndios florestais do Programa das Nações Unidas para o Ambiente.
O relatório das Nações Unidas relativo a incêndios florestais divulgado esta quarta-feira faz um apelo à prevenção e estabelece uma “ligação explícita” entre as alterações climáticas e o aumento da intensidade dos fogos, destacou Paulo Fernandes, co-autor e investigador na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD).
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O relatório das Nações Unidas relativo a incêndios florestais divulgado esta quarta-feira faz um apelo à prevenção e estabelece uma “ligação explícita” entre as alterações climáticas e o aumento da intensidade dos fogos, destacou Paulo Fernandes, co-autor e investigador na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD).
Professor da UTAD, em Vila Real, Paulo Fernandes esteve envolvido na elaboração do relatório do Programa das Nações Unidas para o Ambiente, que foi agora divulgado e vai ser apresentado na Assembleia das Nações Unidas para o Ambiente, que acontecerá de 28 de Fevereiro a 2 de Março, em Nairóbi.
“As preocupações gerais neste relatório são a constatação de que as alterações climáticas estão a criar condições que, cada vez mais, vão favorecer incêndios graves, com impactos maiores a nível social, económico e ambiental”, afirmou o especialista à agência Lusa. Neste documento, acrescenta, é feita “uma ligação mais explícita com as alterações climáticas”, alertando que, devido a essas mudanças, os incêndios florestais são uma ameaça “à escala global”.
Segundo o documento, a crise climática e a mudança no uso da terra resultarão num aumento global dos incêndios extremos de até 14% em 2030, 30% até ao final de 2050 e 50% até ao final do século. “Cada vez mais assistimos a incêndios que têm impactos muitos graves nas comunidades urbanas, sempre que ocorrem em interfaces entre zonas densamente povoadas e zonas florestais, como vimos muito bem em Portugal em 2017 e como se vê na Califórnia, na Austrália e noutras regiões”, afirmou Paulo Fernandes.
O relatório destaca o agravamento resultante das mudanças climáticas através do aumento da seca, altas temperaturas do ar, baixa humidade relativa, raios e ventos fortes, provocando épocas de incêndios mais severas e mais longas.
Mais aposta no planeamento e prevenção
Paulo Fernandes disse ainda que o documento é também “mais incisivo em termos de recomendações” e faz “um apelo muito maior à prevenção, à preparação, à recuperação e à mudança de políticas e paradigmas”.
“Porque aquilo que em geral os governos e os países adoptam são políticas muito focadas no curto prazo, muito reactivas em vez de proactivas, e grande parte do investimento vai para o reforço dos meios de combate e da resposta mais rápida, mais forte, esquecendo que isso acaba por ser secundário porque não ataca a raiz do problema. E porque, na verdade, perante incêndios rápidos, muito intensos e muito severos, por muito poderosos que sejam, os dispositivos de combate falham sempre”, salientou.
Por exemplo, segundo o investigador, no relatório é pedida aos governos uma nova fórmula “fire ready”, em que “dois terços dos investimentos sejam gastos no planeamento, prevenção, preparação e recuperação, e o terço restante na resposta”. Actualmente, acrescentou, verifica-se que “as respostas directas aos incêndios florestais normalmente recebem mais da metade das despesas relacionadas, enquanto o planeamento e a prevenção recebem menos de 1%”.
O relatório sublinhou a importância de a comunidade internacional, através das Nações Unidas, também se envolver na gestão dos fogos, que até agora é quase da exclusiva responsabilidade dos governos nacionais.
De 2002 a 2016, cerca de 423 milhões de hectares foram queimados a cada ano, uma área total equivalente à da União Europeia.
Questionado sobre a actual situação de seca em Portugal, Paulo Fernandes disse que, para já, não está preocupado. “É muito cedo, poderá chover ainda, não sabemos se pouco ou muito. Aquilo que acontece em Portugal em termos de incêndios durante o Verão tem muito mais que ver com o que sucederá em termos de precipitação na Primavera. Nem é preciso ter muita chuva para cancelar estes efeitos”, referiu. Não é, acrescentou, “por estar muito seco agora que se pode já antecipar incêndios muito graves mais tarde”.
E quando aos incêndios que se têm verificado nesta altura do ano, o investigador disse que os números “estão muito abaixo do histórico”, exemplificando com o pior ano (2012), em que arderam 35 mil hectares entre Novembro e Março. Para já, em 2022, arderam cerca de seis mil hectares.
Paulo Fernandes lecciona no Departamento de Ciências Florestais e Arquitectura Paisagista da UTAD e no ranking mundial de 2020 (SHCS- Scopus Highly Cited Researcher/Stanford University) encontra-se no 18.º lugar entre os cientistas mais citados na categoria de Ciências Florestais.