Por que se acorda a mãe para pedir um copo de água? Porque “o pai está a dormir!”

Avançámos muito na divisão de tarefas, mas será que somos mesmo mais capazes de exigir aos homens que façam (realmente) tanto como nós?

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@DESIGNER.SANDRAF

Querida Mãe,

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Querida Mãe,

São 7h30 da manhã e os miúdos têm de estar na escola às 8h15, eu corro atrás do mais novo para lhe calçar as meias, que odeia, e tentar convencer (sempre sem sucesso) a vestir uma camisola. Pelo caminho, uma delas lembra-se de me pedir uma cartolina, a outra não sabe de um caderno e há ainda a que chora porque não quer ir à escola. Enquanto isso, o meu marido está no duche. De repente, as que vão de boleia com o pai começam a “tripar” com as horas e a protestar: “Mãe!!! Vamos chegar atrasadas!” E eu, que acabei de preparar os dois que vão comigo, constato o óbvio: “Falem com o pai.”

A minha instrução não funciona à primeira, e seguem-me pela casa a enumerar num tom já meio histérico porque é que é tão grave chegar tarde e porque é que nunca vai dar tempo se não saírem naquele instante.

Eu repito: “Vão dizer isso ao pai, porque ele é que vos vai levar.” Os nervos fazem subir o tom (o meu e o delas) até que páro, olho e repito com firmeza: “Vão dizer isso ao pai!!!” E é aí que vejo uma aproximar-se da porta da casa de banho, mas em lugar de lhe dizer aquilo que me está a apetecer a mim gritar-lhe, bate educada e suavemente e pergunta, na voz mais doce de sempre: “Pai, achas que podes despachar-te?”

O quê?!?! De repente, vem-me à cabeça a noite, há muitos anos, em que uma das gémeas (ainda pequenina) me acordou para me pedir um copo de água, mas, quando lhe disse para o ir pedir ao pai, argumentou com esta pérola: “Mãe, mas o pai está a dormir!” Pois!

Sei que supostamente avançámos muito na divisão de tarefas, mas será que somos mesmo mais capazes de exigir aos homens que façam (realmente) tanto como nós? Ou continuamos a pedir às nossas filhas que nos ajudem com a roupa, enquanto deixamos os “homens da casa” a ver a bola? E será que não somos nós que subtilmente vamos assumindo o controlo de tudo, desde os ganchinhos no cabelo até ao menu das refeições, para depois nos queixarmos que eles “não mexem uma palha”? É que, claramente, as nossas filhas aprendem pelo nosso exemplo, e o que estamos a fazer hoje vai determinar como também elas vão gerir a sua família, o papel que vão achar “natural” assumir enquanto mulheres e mães. Mas para me sentir um bocadinho melhor, conte-me, isto também acontecia consigo?


Querida Ana,

Ai, que nervos! Mas, se te consola, parece-me que fazemos parte de uma imensa maioria. Todas as manhãs, o teu pai tocava piano enquanto eu vos vestia e preparava lancheiras. E, quando uma vez entrei na sala, de cabeça perdida com ele, lembro-me que me perguntou se sabia tocar piano. Porque, em não sabendo, não podíamos trocar de papéis, tendo em conta que alguém tinha de velar pela vossa cultura musical e espiritual. Desatei às gargalhadas e, como tu sabes, quem me faz rir consegue tudo. Além do mais, passados tantos anos, tu fizeste da música a tua profissão. Por isso, provavelmente, foi um investimento real.

Vês? Arranjamos-lhes sempre desculpas. E, como dizes, as nossas filhas absorvem o que se passa à volta como esponjas e, por muito que jurem (como nós jurámos) que vão fazer diferente, é tão fácil — mas não inevitável – reproduzir padrões.

Porque, se recuarmos uma geração, também eu vi o meu pai chegar do trabalho e fechar-se na sua salinha, enquanto a minha mãe recomendava que não fizéssemos barulho porque, afinal, era ele que nos sustentava, desvalorizando, mesmo sem querer, todo o trabalho de mãe de oito filhos e dona de casa.

Por isso, sim, as mudanças profundas demoram tempo a acontecer, mas é responsabilidade nossa trabalhar para que assim seja, e isso implica muito mais gritar connosco mesmas do que com os outros.

Felizmente os pais de hoje já não são os pais de ontem, e provam-no com excelência sobretudo quando estão sozinhos com os filhos e assumem o topo da cadeia de comando. Quanto mais lhes permitirmos espaço de manobra, quanto menos os sujeitarmos às instruções ou ao pedido de que façam isto ou aquilo, mas à nossa maneira, melhor será para todos.

Boa sorte.


No Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Mas, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram.