Reconheço à partida o meu privilégio: já vi Let It Be (o filme de Michael Lindsay-Hogg) numa cópia de 35mm, e a memória disso — dos Beatles em película — limita-me o entusiasmo pela operação de recuperação digital dirigida por Peter Jackson para a série Get Back. Cores demasiado vivas, esborratadas, holográficas, como se estivesse a ver a colorização de um filme a cores. Não é, portanto, a “proeza tecnológica” que me comove, e não é disso que venho falar a propósito de The Rooftop Concert, um filme-companheiro da série, para ver em sala. Retrata o famoso “concerto do telhado”, que já era o clímax no filme de Lindsay-Hogg e passou à história — poética, se não factualmente — como o canto do cisne dos Beatles. A lógica cumulativa de Jackson, mostrar uma “totalidade” em vez de usar a montagem para uma síntese (a “síntese”, enfim, era o filme original), tem contornos maníacos que funcionam maravilhosamente bem, quase de forma cubista, por exemplo naqueles momentos em que o split screen faz coexistir três ângulos de câmara sobre a mesma acção. O que se passa ali é extremamente concentrado no espaço (os vários andares de um edifício, da rua ao telhado) e no tempo (uma hora, ou menos, entre o primeiro acorde e o último ad lib de John) e a inteligência de montagem de Jackson está em narrar a acção como uma história de tempo e de espaço, contados e delimitados.
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Reconheço à partida o meu privilégio: já vi Let It Be (o filme de Michael Lindsay-Hogg) numa cópia de 35mm, e a memória disso — dos Beatles em película — limita-me o entusiasmo pela operação de recuperação digital dirigida por Peter Jackson para a série Get Back. Cores demasiado vivas, esborratadas, holográficas, como se estivesse a ver a colorização de um filme a cores. Não é, portanto, a “proeza tecnológica” que me comove, e não é disso que venho falar a propósito de The Rooftop Concert, um filme-companheiro da série, para ver em sala. Retrata o famoso “concerto do telhado”, que já era o clímax no filme de Lindsay-Hogg e passou à história — poética, se não factualmente — como o canto do cisne dos Beatles. A lógica cumulativa de Jackson, mostrar uma “totalidade” em vez de usar a montagem para uma síntese (a “síntese”, enfim, era o filme original), tem contornos maníacos que funcionam maravilhosamente bem, quase de forma cubista, por exemplo naqueles momentos em que o split screen faz coexistir três ângulos de câmara sobre a mesma acção. O que se passa ali é extremamente concentrado no espaço (os vários andares de um edifício, da rua ao telhado) e no tempo (uma hora, ou menos, entre o primeiro acorde e o último ad lib de John) e a inteligência de montagem de Jackson está em narrar a acção como uma história de tempo e de espaço, contados e delimitados.