Amor ao cancro no dia de S. Valentim
Hoje é dia do mártir Valentim, um bispo condenado à morte no séc. III, por ter desrespeitado e lutado contra as ordens do imperador Cláudio II.
Este jornal publicou uma crónica sobre a história de amor ao cancro. É preciso desconstruir a elaboração concreta sobre a questão do sentido do ser, mas também o ser do sentido, não para o filósofo, mas para nós mortais – divinos ou materiais – numa disputa entre a vida e a morte, saúde e doença, Deus e o material. Talvez pudéssemos ilustrar melhor com a doutora da igreja, Santa Teresa de Lisieux, e Nietzsche, quase irmãos por se tratar de contemporâneos espirituais tão diferentes.
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Este jornal publicou uma crónica sobre a história de amor ao cancro. É preciso desconstruir a elaboração concreta sobre a questão do sentido do ser, mas também o ser do sentido, não para o filósofo, mas para nós mortais – divinos ou materiais – numa disputa entre a vida e a morte, saúde e doença, Deus e o material. Talvez pudéssemos ilustrar melhor com a doutora da igreja, Santa Teresa de Lisieux, e Nietzsche, quase irmãos por se tratar de contemporâneos espirituais tão diferentes.
Hoje é dia do mártir Valentim, um bispo condenado à morte no séc. III, por ter desrespeitado e lutado contra as ordens do imperador Cláudio II. Este era um cruel de coração frio que proibiu casamentos durante as guerras, já que os moços solteiros seriam melhores combatentes, e que se concentrariam mais facilmente na guerra e na vida militar sem amores e casórios. Desobedecendo ao imperador, o bispo continuou a celebrar casamentos. Quando descoberto, foi preso e condenado à morte. Durante o cárcere, anónimos numa manifestação de apoio e compaixão, enviaram flores e bilhetes, reiterando continuarem a acreditar no amor, explicando assim a troca de postais e cartas que se proliferou até à atualidade.
As histórias do amor em Valentim ou de Teresa de Lisieux são diferentes da história de amor de Maria.
Durante o seu período de encarceramento, que comparo com o tratamento de quimioterapia, reza a história que o bispo se enamorou pela filha cega de um carcereiro e que, milagrosamente, lhe devolveu a visão. Bem diferente é a história de Maria, enamorada pelo amor da sua vida, que quer desistir do amor ao cancro, para se dedicar a ele.
Antes da execução, Valentim escreveu uma mensagem de despedida, a qual assinou como “seu namorado” ou “de seu Valentim”. O dia da sua execução tornou-se num tenebroso dia de jejum, em sua homenagem.
Maria, neste dia de Valentim, busca por uma proteção entre a ciência e o divino. O amor e o romantismo de Valentim aparece depois do final da Idade Média, em que o conceito de amor romântico é reformulado e o bispo Valentim considerado mártir pela Igreja Católica. Na véspera, na Roma Antiga, celebra-se a festa anual, em honra da deusa Juno e ao deus Pan, onde um dos rituais incidia sobre a fertilidade.
É o preço da ciência e da fé, algo que a técnica de robótica tirará a Maria na sua luta que teima em não chegar ao fim. O amor invisível chega ao fim. Com a certeza de que amar a doença não pode ser tão mais forte que amar a vida, uma vida de serviço ao próximo. A excelência, a capacidade e o poder de explorarmos o número de cérebros que se pode possuir, permite-nos escolher entre o branco e o encarnado, abortando o preto. A luz e as trevas. A ciência e a razão com a metafísica.
Como justificar algo que não é justificável à luz da ciência? Como compreender que uma paixão platónica não se pode consumar contra uma terrena? Eis a história do medíocre caranguejo, invade as areias das praias e os pântanos, o cancro: invade com os seus medíocres tentáculos pedaços de corpos à procura de indefesos seres humanos, numa luta que se transformou em guerra, comendo literalmente órgãos e arrasando, numa tentativa fracassada que lhe cedam a vida, para ele morrer. A biologia da borboleta. Faz amor e morre. Amar assim não é justo. É como sonhar ter um filho que se concebe e o cancro nos obriga a escolher entre viver ou matá-lo.
Na noite da sua morte, a carmelita doutora, que viveu o maior amor em Cristo, experimentou grandes conflitos espirituais e uma enorme escuridão interior. E tratou-a como a “noite do nada”, com a sua mente dominada pelos fortes argumentos materialistas da época. Aqui entra Nietzsche, o homem que viveu, como ela, irmãos contemporâneos, no mundo da ciência e do progresso do séc. XIX, incompreendido na época por transbordar em ilusões e ingenuidade.
Nesta crónica, Maria continua com paciência com Deus, na vida e na morte, na fronteira da luz e do escuro. É nesse dualismo que nasce a nova forma de conseguir comunicar a doença sem medo de defender a saúde nos afetos. Sem medo de partir. E sem medo do escuro. Há sempre um brilho à nossa frente. Que se projeta de trás para a frente.