Os 11 mandamentos para uma relação feliz e saudável
O objectivo deste texto é deixar algumas dicas e sugestões para nutrirmos as nossas relações e termos uma vida amorosa feliz e saudável.
Podemos gostar ou não do Dia dos Namorados, e querer ou não comemorá-lo (eu pessoalmente dispenso), mas há algo que todos nós queremos, pelo menos a partir do momento em que decidimos assentar: ter relações amorosas felizes e saudáveis. E todos sabemos que isso é uma peça fundamental do puzzle da nossa saúde física e mental.
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Podemos gostar ou não do Dia dos Namorados, e querer ou não comemorá-lo (eu pessoalmente dispenso), mas há algo que todos nós queremos, pelo menos a partir do momento em que decidimos assentar: ter relações amorosas felizes e saudáveis. E todos sabemos que isso é uma peça fundamental do puzzle da nossa saúde física e mental.
Mas sabemos também que o amor é complicado. Se é complicado em tempos normais, que dirá em tempos de pandemia. Para muitos casais, o novo mundo trazido pela covid-19 significou passar a conviver 24 sobre 24 horas debaixo do mesmo tecto, acumulando o teletrabalho com as tarefas domésticas e a educação dos filhos. Para uns, terá significado mais sexo, para outros menos. Alguns casais anteciparam a experiência de viver juntos, enquanto muitos solteiros sofreram um prolongamento forçado da sua “vida a um”. Se o amor já era difícil, o coronavírus e os confinamentos forçados trouxeram novos desafios e vieram pôr à prova a resiliência das nossas relações.
Segundo os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), por cada 100 casamentos registados em 2020, ocorreram 91,5 divórcios — um recorde absoluto, de um total de 17.295 separações. É certo que também houve menos casamentos, mas as estatísticas mostram uma tendência de subida do número de divórcios, sobretudo após os confinamentos. E os números poderão ser ainda superiores, já que não incluem as separações de casais em união de facto.
Se não queremos fazer parte destas estatísticas, temos de fazer por isso. Qualquer relação requer trabalho. E cada casal terá a sua fórmula individual de sucesso. Não pretendo aqui definir o que é uma relação saudável e muito menos sugerir que há alguma fórmula mágica. O objectivo deste texto é deixar algumas dicas e sugestões para nutrirmos as nossas relações e termos uma vida amorosa feliz e saudável. Algumas são baseadas em especialistas da área e outras na minha própria experiência. Muitas são óbvias, mas será que estamos mesmo a aplicá-las?
Cultivar os “mapas do amor”
Adoramos quando o nosso companheiro faz algo que nós apreciamos ou parece estar dentro da nossa cabeça. Há um termo para isso: “mapas do amor” ou “love maps”, um termo criado por John Gottman, psicólogo norte-americano especializado nos temas do casamento e das relações.
Durante vários anos, Gottman e a sua equipa estudaram centenas de casais para identificar quais os factores que influenciam a estabilidade das relações — ou seja, se estas vão durar ou não. A investigação resultou num livro, “The Seven Principles for Making Marriage Work”, sobre os sete princípios para que um casamento resulte. Um deles é cultivar o tais “love maps”, aquela parte da nossa mente que armazena informação sobre a vida do nosso parceiro. Falamos de aspectos que vão desde a sua comida preferida à forma como gosta que se estenda ou dobre a roupa (bem sabemos que cada um tem as suas manias...), até informação mais profunda, como quais são os seus maiores medos, preocupações, esperanças e sonhos.
A investigação de John Gottman concluiu que aqueles casais que têm “mapas de amor” mais detalhados, ou seja, que prestam bastante atenção aos “pequenos detalhes” sobre o outro e que sabem mais sobre ele, são os que têm relações mais estáveis e duradouras.
Partilhar hobbies
Um casal já partilha muita coisa — tarefas domésticas, gestão da casa e das finanças, educação dos filhos. Mas essa é a parte “obrigatória”. Partilhar passatempos e experiências é fundamental numa relação. Isso não significa que têm de estar juntos a toda a hora e fazer tudo em conjunto. Significa passarem mais tempo (de qualidade) a fazerem actividades que ambos gostam.
Pode ser fazer exercício físico em conjunto (algo que fazemos cá em casa e que recomendo vivamente), fazer caminhadas ao ar livre, cozinhar um jantar para os amigos, ir ao cinema ou ao teatro, ter aulas de dança ou simplesmente (e provavelmente algo bastante comum nestes tempos de covid) reservar a sexta-feira à noite para uma “movie night”. Não interessa qual a actividade, o que interessa é que seja algo que os dois gostem e desfrutem em conjunto. E que, de preferência, seja presença assídua no calendário.
Preservar a individualidade
Nem 8 nem 80. É óptimo passar tempo de qualidade em conjunto, mas todos precisamos de tempo de qualidade sozinhos. Isso permite-nos cultivar a nossa individualidade, desenvolver os nossos próprios interesses e fomentar amizades e ligações fora da vida a dois.
Claro que, num contexto de confinamentos e teletrabalho, fica ainda mais difícil assegurar esse tempo a sós. Mas, mesmo debaixo do mesmo tecto, é possível. Uma das coisas que me ajudou neste processo foi criar o meu “altar” para fazer meditação: um cantinho no quarto, com almofadas, velas e um cobertor, para onde vou fazer as minhas meditações. Fez tanto sucesso, que até o meu companheiro já recorre a ele também. Em horas separadas, claro.
Sintonizar as “linguagens do amor”
Para termos uma relação amorosa bem-sucedida, é importante sabermos primeiro aquilo a que damos valor e, consequentemente, as formas como tendemos a exprimir e a receber amor. O autor e conselheiro matrimonial norte-americano Gary Chapman define isso como as “linguagens do amor” (“love languages”). São cinco:
- Palavras de afirmação
Palavras que mostram à pessoa com quem estamos que reparamos nela e a apreciamos. Exemplos: “amo-te”, “essa roupa fica-te muito bem”, “obrigada por teres lavado a louça”. - Tempo de qualidade
Passar tempo de qualidade com o seu parceiro. Exemplos: um jantar ou saída a dois, uma viagem, partilhar um passatempo, fazer uma actividade em conjunto, ou simplesmente conversar, sem distracções de telemóveis. - Receber presentes
Presentes ou gestos que mostrem que a outra pessoa nos aprecia, se esforça e pensa em nós. Exemplos: oferecer um ramo de flores, uma jóia, ou algo mais simples que sabemos que a outra pessoa vai apreciar. - Ajudar
Prestar ajuda em tarefas ou funções, mostrando carinho e consideração pelo outro e ajudando a poupá-lo ou a reduzir eventuais fontes de stress ou cansaço. Exemplos: cozinhar uma refeição, lavar a roupa, limpar a casa ou fazer algum recado. - Contacto físico
Diz respeito aos sinais mais físicos da relação, à materialização da relação emocional. Exemplos: dar as mãos, beijar, abraçar, sentar lado a lado no sofá, etc..
Pode fazer o questionário das “love languages” (está em inglês) para perceber qual é a sua e sugerir ao seu parceiro que faça o mesmo. O objectivo não é que as duas linguagens coincidam, mas sim que cada um saiba qual a sua linguagem principal e qual a que o outro usa, permitindo ajustar a maneira como expressam o seu amor. Além disso, saber a nossa linguagem e a do outro permite-nos reconhecer quando o outro está a expressar os seus sentimentos — mesmo que essa não fosse a “linguagem” que nós escolheríamos.
Por exemplo, se a minha “linguagem do amor” for “tempo de qualidade” (por acaso, é mesmo) e a do meu companheiro for “receber presentes”, ele pode achar que a melhor maneira de mostrar amor é dar-me uma jóia ou um bem material. Se isso acontecer, eu posso ficar desiludida, porque não dou valor a isso, mas se tiver consciência que aquela é a “linguagem” dele, talvez já encare de outra maneira. Além disso, se ele souber aquilo a que realmente dou valor (tempo de qualidade), pode adaptar as suas prendas: pode, por exemplo, levar-me a jantar fora ou numa escapadela de fim-de-semana, que irá permitir tempo de qualidade a dois.
Ter espírito de equipa
Não acredito naquela velha máxima de “as discussões fazem parte de qualquer relação”, porque acho que muitas vezes isso funciona como desculpa para justificar relações altamente desgastantes e destrutivas. As relações devem ser simples, não complicadas. E claro que discussões existem na vida de um casal, mas a forma como gerimos o conflito determina se uma relação é ou não saudável e feliz.
A âncora deve ser a mentalidade “somos uma equipa” ou “fazemos parte da mesma equipa”. Qualquer que seja o problema, qualquer que seja o tema de discórdia, os dois membros do casal têm de sentir que jogam do mesmo lado. O nosso parceiro não é o inimigo que temos de vencer. Estão os dois na mesma equipa: ou ganham juntos, ou perdem juntos.
Infelizmente, é frequente assistir ao cenário oposto, em que os dois membros do casal passam a vida a cobrar-se um ao outro e em que o espírito de entreajuda deu lugar ao espírito “eu é que sei”, “eu é que tenho razão” ou o temido “eu bem te disse”. O triste é que, desta guerra, nunca ninguém sai vencedor.
Ir à raiz do problema
No que toca ao tema do conflito na vida amorosa, há uma armadilha em que muitos casais caem: discutir sobre aspectos superficiais em vez de irem à raiz do problema.
Imaginemos um casal — a Sara e o João — que discutem frequentemente porque o João não ajuda nas tarefas da casa a menos que a Sara peça. Dia sim, dia não, o tema vem à baila: ou é porque ele não pôs a roupa a lavar, ou porque não despejou o lixo, não arrumou a louça da máquina, não fez a cama, etc.. Ela zanga-se, ele não compreende o porquê de estarem a discutir por causa de um cesto de roupa suja. Noutro dia, o cenário repete-se. Mas em nenhum momento, os dois discutem a verdadeira questão de fundo: a Sara sentir que não há uma divisão equilibrada das tarefas dentro de casa. Quanto mais rapidamente discutirem o problema real, mais rapidamente se resolve.
Depois, vem a parte da atitude, claro. Respirar fundo antes de falar, estar disponível para ouvir e focarmo-nos no comportamento em si, evitando comentários menos agradáveis sobre o carácter da pessoa. É diferente ouvir um “estou chateada porque não fizeste aquilo que prometeste” do que “esqueceste-te de novo, és mesmo preguiçoso, não dá para confiar em ti”. Outra sugestão que considero particularmente eficaz para evitar conflitos é aquela de que falo a seguir.
Usar o humor
O humor é uma ferramenta poderosa e fazemos muito pouco uso dela no que toca a assuntos que consideramos mais sérios, como as nossas relações. Mas, se usado de forma leve e da maneira certa, pode ajudar a eliminar a tensão e a abrir caminho a uma conversa bastante mais produtiva e menos emocional.
Dou um exemplo: quando comecei a viver com o meu companheiro, ele tinha um hábito (entre outros, claro) que me mexia com os nervos. Sempre que tirava o relógio da gaveta da cómoda, deixava a gaveta aberta. Claro que o alertei mais do que uma vez para isso. Claro que acontecia sempre o mesmo e a gaveta ficava escancarada. Então um dia, cheguei ao pé dele, parecendo agitada e disse: “Por favor, chega aqui, anda ver isto!” Ele levantou-se, foi comigo até ao quarto, e eu disse, apontando para a gaveta: “Já viste? Temos de mandar compor a gaveta!” Intrigado, ele perguntou porquê. Respondi: “Então, antes ela fechava sozinha e agora não, temos de ser nós a fechar.” Desatámos os dois a rir. E a verdade é que, depois desse dia, nunca mais ficou aberta.
Encontrar o meio-termo
Esta é uma daquelas dicas que poderia servir para muitas outras áreas da nossa vida. Todos nós temos as nossas convicções e os nossos valores. Mas os outros também têm. E, se queremos viver harmoniosamente, temos de fazer um esforço para nos encontrarmos a meio do caminho.
Numa relação, não há o “bom” e o “mau”, ou o “vencedor” e o “perdedor”. Somos uma equipa. Ganhamos quando chegamos a um compromisso, perdemos quando não o fazemos. Claro que isso não significa que tem tudo de ser 50/50.
Chegar a um compromisso não quer dizer que temos de chegar a um meio-termo em todos os temas ou em todas as discussões, ou dividir tudo de forma igual. É uma questão de equilíbrio: temos de perceber as cedências que cada um de nós pode fazer, em todas as situações e circunstâncias que envolvem uma relação. E temos de saber dar prioridade ao outro quando isso faz sentido.
Voltemos à Sara e ao João. Quando foram viver juntos, tiveram de decorar a casa. O João adora design e decoração de interiores e, por isso, tomou as rédeas do assunto. A Sara sabia que é algo de que ele gosta mesmo e, por isso, não se importou de fazer cedências e de não controlar tanto este processo. Encontrar um meio-termo também é isto: nem todas as “batalhas” valem a pena ser travadas, especialmente se isso afectar a qualidade da relação.
Dizer claramente o que queremos
Mais uma máxima que devia valer para tantas outras áreas da nossa vida. Uma das causas mais comuns de uma relação infeliz é não recebermos dela o que realmente queremos. Porém, muitas vezes, isso não se deve ao facto de o nosso parceiro não estar disposto a dar-nos isso, mas simplesmente ao facto de ele não saber o que nós queremos.
Claro que é maravilhoso quando a pessoa de quem gostamos já nos conhece suficientemente bem para saber exactamente o que nós queremos, quando e como. Mas é preciso algum tempo (e muita comunicação) para se chegar lá. Por isso, nada como ser explícito e comunicarmos claramente os nossos desejos e necessidades. Há coisas que para nós são óbvias? Sim, há, mas isso não quer dizer que sejam óbvias para o outro.
Pedir ajuda e aceitá-la
Outro erro comum é não pedirmos ajuda. Armamo-nos em super-homens ou supermulheres ou, pior ainda, achamos que não devemos ter de pedir ajuda, porque a outra pessoa é que nos devia ajudar sem ser preciso nós pedirmos. Adivinhem? Muitas vezes, ela nem sequer sonha que precisamos.
Falemos, por exemplo, da gestão das tarefas domésticas. Desculpem-me, representantes do sexo masculino que lerem isto: Não quero generalizar, mas noto que, nas relações heterossexuais, há alguma tendência para as mulheres assumirem mais tarefas em casa do que os homens. É algo que também me acontece a mim. No entanto, quando questiono as mulheres sobre isso, todas respondem com a salvaguarda: “Mas ele também faz” ou “sempre que peço, ele faz”.
Uma vez mais, não querendo generalizar, mas já generalizando, sinto que a maioria dos homens não nasce com aquele “chip” que nós, mulheres, nascemos. O de ser capaz de olhar para uma casa e ver o que é preciso fazer. Antes de haver falta de roupa lavada, antes de esbarrarmos com o estendal cheio de roupa já ressequida pelo sol, antes de faltar louça porque ficou na máquina por arrumar, ou antes de faltar comida porque não se foi às compras.
Se é mulher, e é esse o caso, devo dizer que a melhor solução é mesmo pedir ajuda, sempre e todas as vezes que tiver de ser. Sei que este termo pode ter uma conotação infeliz junto das feministas (e eu considero-me uma) — afinal, uma mulher não tem de “pedir ajuda” para fazer algo que deve ser assegurado pelos dois —, mas o que quero dizer é que temos de dizer claramente aquilo que queremos e precisamos, e não simplesmente assumir o trabalho todo só porque achamos que eles “deveriam ter noção”. E depois acabar a atirar-lhes isso à cara.
Outro erro frequente: pedimos “ajuda”, mas queremos que aquela tarefa seja feita quando nós queremos e como nós queremos: a máquina acabou de lavar, tem de ser estendida já. Ou: ele estende a roupa, mas depois reclamamos porque não estendeu como deve ser. Temos de nos convencer: nunca ninguém vai chegar aos nossos calcanhares, nem vai fazer tudo tão bem como cada um de nós acha que faz. Mas, se queremos ter uma vida a dois, feliz, saudável e descomplicada, temos de aprender a viver com as “imperfeições”.
Fugir a estereótipos e convenções
Este último conselho também é válido para muitas outras áreas da nossa vida. Quando se trata de uma relação amorosa, só os dois interessados é que sabem realmente o que interessa. Não há regras universais, e não devemos sentir-nos na obrigação de “seguir atrás da manada” só porque nos dizem que assim é que é certo.
Isto vale para tudo e mais alguma coisa: a quantidade de tempo que um casal passa junto, a sua vida sexual, se dormem na mesma cama, se só fazem férias sozinhos ou se preferem ir com amigos ou família, se têm uma relação monogâmica ou aberta, se querem ou não ter filhos, etc., etc.. A pressão da sociedade é gigante e, muitas vezes, acaba por ditar os nossos comportamentos dentro da relação ou até mesmo a forma como nos sentimos em relação a ela.
Um exemplo muito simples: temos implantado na cabeça a ideia de que um casal tem de dormir na mesma cama. Mas e se um deles ressonar bem alto? Ou se tiverem horas de deitar diferentes e o que foi para a cama primeiro acordar sempre que o outro chega? Nestes casos, dormir na mesma cama é assim tão importante? Ou, ao invés, pode converter-se num factor de stress e de conflito?
Outro tema, mais delicado e polémico: o sexo. Há casais com uma vida sexual mais activa e casais com uma vida sexual menos activa e outros que nem sequer têm sexo. Onde está o certo e o errado? Em lado nenhum. A questão não é se um casal tem sexo ou não, ou quantas vezes tem por semana ou por mês, mas sim se cada um dos membros da relação está confortável com a quantidade de sexo que tem. Não ter relações sexuais, por exemplo, é uma escolha, válida como qualquer outra, desde que ambos estejam confortáveis com isso. Além disso, a intimidade de um casal está longe de se limitar ao sexo.
O importante mesmo é trilharmos o nosso próprio caminho a dois, fugindo a estereótipos, a “caixinhas” ou às ideias que os outros têm sobre como deveríamos viver a nossa vida. Por isso, se nada neste artigo fez sentido para si, faça o favor de o deitar fora. A gerência agradece.
Health Coach, autora do projecto About Real Food