Por causa da pandemia, milhões de crianças em África não receberam vacina contra pólio

Director do Instituto de Higiene e Medicina Tropical avisa que a pandemia afectou muito o combate à malária, tuberculose e sida, entre outras doenças. Quebra da vacinação em África pode provocar surtos epidémicos nos próximos anos.

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Em 2020, a OMS viu-se forçada a suspender a vacinação contra a poliomielite para combater a covid-19 REUTERS/KHALED ABDULLAH

Milhões de crianças ficaram por vacinar em África devido à pandemia, o que ameaça a erradicação da poliomielite, alcançada em 2020, e aumenta a probabilidade de surtos de doenças como a febre-amarela, alertou um especialista.

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Milhões de crianças ficaram por vacinar em África devido à pandemia, o que ameaça a erradicação da poliomielite, alcançada em 2020, e aumenta a probabilidade de surtos de doenças como a febre-amarela, alertou um especialista.

Em entrevista à Lusa a propósito dos dois anos do primeiro caso de covid-19 em África, que se assinala na segunda-feira, o director do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT), Filomeno Fortes, disse que “é facto confirmado” que a pandemia teve um grande impacto na malária, na tuberculose, no VIH/Sida e na vacinação das crianças em África.

A covid-19 teve também efeitos na prevenção das doenças tropicais negligenciadas, que era uma grande prioridade da Organização Mundial da Saúde (OMS) e cujas metas para 2024/25 “já não vão acontecer, como é óbvio”, assim como no seguimento da grávida e da criança.

O especialista em saúde pública e epidemiologia citou o director executivo do Fundo Global de Luta contra a Sida, Tuberculose e Malária, Peter Sands, segundo o qual a testagem do VIH em África caiu em 22% e a testagem da tuberculose caiu em 18% devido à pandemia

“Isso significa que neste momento temos muitos mais portadores do vírus da sida que não sabem a sua situação serológica e vamos ter, portanto, muito mais transmissão doença”.

Com a tuberculose, o fenómeno é similar ao do sida, com outro inconveniente: “É que a resistência aos medicamentos contra a tuberculose, que já é uma prioridade da OMS a nível mundial, vai-se agravar ou está a agravar-se neste momento por causa desta quebra da testagem e do acompanhamento do tratamento dos pacientes”.

Em relação à malária, lembrou Filomeno Fortes, a OMS relata que houve 241 milhões casos e 627 mil mortes, o que representa cerca de 14 milhões de notificações da doença e 69 mil óbitos a mais comparado com 2019.

O médico angolano lembrou ainda que os constrangimentos provocados pela pandemia afectaram os programas de vacinação no continente, deixando por vacinar 23 milhões de crianças só em 2020, segundo a Unicef. “Em 2021, a situação agravou-se muito mais”, alertou.

A quebra da cobertura vacinal afecta doenças como a difteria, a tosse convulsa e o tétano, mas também o sarampo, a poliomielite e a febre-amarela, acrescentou Filomeno Fortes, recordando que a redução da cobertura da vacina da pólio “poderá vir a ser um problema”, depois de a OMS ter declarado a erradicação da doença em África em 2020.

Significa que, “se houver casos residuais da poliomielite” nos países africanos – e Angola foi um dos últimos países a declarar a eliminação – poderá vir a haver surtos epidémicos da doença.

“Também temos a certeza quase absoluta de que em África, de uma forma geral, iremos ter surtos de febre-amarela”, acrescentou.

Filomeno Fortes deixou por isso um aviso “aos chamados países do primeiro mundo” de que “devem olhar para a África como um potencial reservatório de problemas de saúde”.

Se, com as alterações climáticas, o vector da febre-amarela conseguir sobreviver na Europa, há o risco de haver uma epidemia da doença no continente, exemplificou, apelando a mais solidariedade dos países desenvolvidos.

“Tem de haver mais financiamento, mais preocupação, para evitar que nos próximos 10, 15 anos, 20 anos possam acontecer fenómenos como este”, advertiu.