Novo presidente da Liga denuncia “subfinanciamento crónico dos corpos de bombeiros”
António Nunes defende continuidade dos bombeiros voluntários e pede avaliação ao financiamento dos bombeiros. “Pode ser uma avaliação externa, pode ser o Tribunal de Contas, uma auditora ou um grupo de trabalho a fazer as contas. Temos a certeza que no final vão chegar à conclusão de que há um subfinanciamento crónico dos corpos de bombeiros.”
A Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP) criticou o “subfinanciamento crónico” atribuído pelo Estado às corporações de bombeiros voluntários, obrigando-as a “estender a mão” para pedir subsídios, e exigiu que sejam compensadas com “o valor real” dos serviços prestados.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP) criticou o “subfinanciamento crónico” atribuído pelo Estado às corporações de bombeiros voluntários, obrigando-as a “estender a mão” para pedir subsídios, e exigiu que sejam compensadas com “o valor real” dos serviços prestados.
“As associações humanitárias vêem-se na contingência de estender a mão e a pior coisa que se pode fazer é estender a mão. Uma coisa é uma câmara municipal entender que deve participar na actividade dos seus munícipes e entregar determinadas verbas para um corpo de bombeiros. Outra coisa completamente diferente é uma associação ter que pedir ao presidente da câmara municipal que lhe dê um subsídio”, disse o presidente da LBP, em entrevista à agência Lusa.
António Nunes, que está no cargo há um mês, sustentou que a maioria das associações humanitárias dos bombeiros voluntários “ainda hoje vive porque as câmaras municipais comportam aquilo que o Estado central não lhes dá”. Se este apoio não existisse algumas delas já tinham “fechado a porta ou tinham material muito antiquado”.
Para António Nunes, um dos problemas das associações humanitárias detentoras de corpos de bombeiros voluntários é “o subfinanciamento”, sendo um dos temas que a LBP vai abordar com o próximo Governo.
“A verba que o Estado actualmente atribui directamente às associações humanitárias e a forma como subsidia ou tem planeado o recurso ao pagamento e ao ressarcimento das despesas é manifestamente insuficiente”, disse.
António Nunes desafia qualquer entidade a fazer uma avaliação ao financiamento dos bombeiros. “Pode ser uma avaliação externa, pode ser o Tribunal de Contas, uma auditora ou um grupo de trabalho a fazer as contas. Temos a certeza que no final vão chegar à conclusão de que há um subfinanciamento crónico dos corpos de bombeiros”, salientou.
O presidente da LBP considerou difíceis as negociações sobre o financiamento às corporações de bombeiros, uma vez que envolvem três entidades: “A Assembleia da República por causa da lei do financiamento geral, o Ministério da Administração Interna por causa de todas as compensações feitas para o serviço de emergência e o Ministério da Saúde sobre o transporte de doentes não urgentes e INEM.”
António Nunes afirmou que o orçamento para as associações humanitárias “não tem vindo a acompanhar os factores de agravamento da sociedade, como o índice de preços do consumidor ou a taxa de inflação, a evolução do ordenado mínimo nacional ou mesmo os preços praticados pelas matérias-primas, combustíveis e energia”.
Segundo o mesmo responsável, o Estado tem de ter a capacidade “de poder injectar nos bombeiros recursos financeiros necessários para os compensar das despesas reais para o socorro, salvamento e transporte de doentes”.
“Uma associação não faz uma reivindicação de financiamento para ter dinheiro a prazo no banco. Não é nada disso que se quer. Nós queremos é ser ressarcidos do valor real dos serviços prestados”, sustentou.
O presidente da LBP admitiu ainda que há corporações de bombeiros voluntários com dificuldades financeiras. Como exemplo apontou o impacto do aumento do ordenado mínimo nacional em alguns corpos de bombeiros, bem como o aumento dos combustíveis, ao mesmo tempo que os subsídios do Ministério da Saúde para o transporte de doentes se mantêm.
"Concorrência desleal"
António Nunes criticou ainda que a Guarda Nacional Republicana esteja envolvida no combate aos incêndios florestais. “Uma coisa é a GNR com os seus homens e mulheres que merecem o nosso respeito e a nossa admiração pelo trabalho que fazem em prol da segurança do país. Outra coisa completamente diferente é para o mesmo local ou para uma circunstância de concorrência entre duas entidades que deviam ser complementares.”
António Nunes explicou que foi decidido há uns anos que o combate inicial de um incêndio florestal podia ser feito tanto por elementos da GNR, através da Unidade de Emergência de Protecção e Socorro (que inicialmente se chamava Grupo de Intervenção de Protecção e Socorro), como por bombeiros. O responsável considerou que, como Portugal não tem recursos financeiros avultados, a melhor solução é cada entidade desempenhar o seu papel. “Aos bombeiros o que é socorro, salvamento e combate a incêndios, à GNR e a PSP aquilo que é ordem pública. Se cada um fizer o seu papel, isto tudo corre bem”, disse, sustentando que há “uma concorrência desleal”.
António Nunes ressalvou que a LBP “não tem nada contra a GNR”. No entanto, vincou: “Quando existem postos da GNR que não estão abertos ou não têm o número de elementos necessários para apoiar os bombeiros nas acções quando há acidentes rodoviários, mas aparecem para combater aquilo que é a génese da nossa acção que é o combate aos incêndios, nós dizemos que há de facto uma concorrência que não deve ser feita porque não há necessidade”.
O responsável defendeu que os 1200 elementos da Unidade de Emergência de Protecção e Socorro deveriam ser entregues aos bombeiros e não estar na alçada de uma força de segurança.
No âmbito das florestas, considerou que a GNR deve ter as funções de vigilância, levantamento de autos por falta de limpeza dos terrenos e o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) deve manter o seu trabalho de abrir aceiros, caminhos de contenção e verificar tudo aquilo na área da prevenção.
“Todos são bem-vindos. Mas cada um tem o seu papel e o papel dos bombeiros é quando há um incêndio, uma ignição irem nos helicópteros combater e fazerem a primeira intervenção, fazer o ataque ampliado e extinguir o incêndio”, disse.
António Nunes afirmou igualmente que, quando há um acidente automóvel, a GNR ou a PSP controlam o trânsito, enquanto os bombeiros prestam socorro, transportam os doentes para os hospitais, retiram as viaturas do local e lavam o piso.
“E se for preciso a Protecção Civil está lá para coordenar todas estas forças presentes. Se isto se passa no acidente rodoviário, ferroviário, aéreo, industrial e num fogo urbano porque é que não se passa na floresta, qual é a diferença”, questionou.
António Nunes questionou também a criação de várias entidades para a prevenção e combate aos incêndios. “Porque é que criámos um sistema com a AGIF [Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, ICNF, GNR, bombeiros sapadores florestais, privados, câmaras municipais, juntas de freguesia, baldios. Sabe o que é que isso dá? Quando se chega à altura do apuramento das responsabilidades a única pessoa que está sentada no banco dos réus neste momento é um comandante”, disse, referindo-se ao julgamento do incêndio de 2017 em Pedrógão Grande.
António Nunes considerou inacreditável que num incêndio com aquela dimensão apenas esteja a ser julgado o comandante dos bombeiros de Pedrógão Grande.
Na entrevista à Lusa, o presidente da LBP disse ainda que vai ter um “relacionamento excelente” com a Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil e com a AGIF, considerando que é necessária a cooperação entre todas as entidades.
No entanto, levantou “algumas dúvidas” sobre a necessidade da existência da AGIF, organismo criado após os incêndios de 2017, frisando que a única entidade com funções de coordenação é a ANEPC.
“A Protecção Civil é suficiente, mas admito que o Governo possa ter outro entendimento. Não me parece que seja necessária a existência da AGIF juntamente com o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas”, concluiu.
Crise de voluntariado
O novo presidente da Liga defendeu que os bombeiros voluntários vão continuar a existir, apesar de ter admitido que há uma crise no voluntariado, sendo por isso necessário criar mais incentivos. No entanto, ressalvou que esta crise não está a condicionar o funcionamento nos bombeiros.
Segundo a LBP, actualmente há cerca de 30.000 bombeiros voluntários inscritos nas associações humanitárias, 15.000 na reserva e outros 15.000 no quadro de honra, o que totaliza cerca de 60.000 pessoas.
“Há uma crise [de voluntariado], nós gostávamos de ter mais. Por isso é que é necessário trabalhar os incentivos ao voluntariado”, sustentou, dando como exemplo, chamar crianças para as escolas de cadetes e infantes dos bombeiros, compensar as entidades patronais que empregam voluntários, aumentar os valores dos seguros, pagamento de propinas, creches e passes sociais.
António Nunes disse que os incentivos ao voluntariado devem ser iguais em todas as regiões do país.
Dos cerca de 30.000 bombeiros voluntários no activo, cerca de 10.000 são trabalhadores das associações humanitárias e fazem parte das equipas de intervenção permanente, do transporte de doentes não urgentes e das ambulâncias do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM).
O presidente da LBP defendeu também que as corporações devem ter um sistema misto, entre profissionais e voluntários, sistema que existe actualmente. “Portugal do ponto de vista da cobertura geral não está muito mal e se calhar tem padrões ao nível da Europa”, considerou, referindo que não se deve acabar com o voluntariado nos bombeiros. “Não acho por duas razões. A primeira diz respeito à alma do povo. Assistimos muitas vezes, mesmo aqueles que não são bombeiros, que quando existe algum acidente vão ajudar. O povo português gosta de ajudar, tem esse princípio, está na sua génese, está no seu ADN e, portanto, eu acho que todos aqueles que, ao longo dos anos, e muitos estão vivos, que deram o seu melhor aos bombeiros voluntários e que hoje se isso acontecesse teriam uma mágoa muito grande. Essa é uma razão que diria histórica, de ADN do povo português e de relação da sociedade e dos valores da sociedade que o povo português sempre cultivou. A segunda razão é económica.”
António Nunes explicou que Portugal não é um país rico e profissionalizar todos os bombeiros teria um custo muito elevado. “É só fazerem as contas. Certamente que os bombeiros voluntários vão continuar a existir”, estimou, frisando que devem existir equipas de bombeiros profissionais, mas não na totalidade.
António Nunes tomou posse como presidente da LBP a 8 de Janeiro, sucedendo no cargo a Jaime Marta Soares que estava no cargo há 12 anos.
Fundada em 1930, a LBP é a Confederação das associações e corpos de Bombeiros voluntários ou profissionais, e tem 465 associados.