Dacia Spring, o democrata dos eléctricos
Zero emissões, autonomia e prestações adequadas para as zonas urbanas, equipamento limitado e uma etiqueta de preço que lhe vale o epíteto de “o eléctrico mais barato”.
Como é que se avalia um eléctrico de uma centena de milhar de euros e a seguir se coloca o olhar sobre aquele que é o mais barato de todos, com um preço de 17.300€, mas que, beneficiando da fiscalidade verde para particulares (as empresas, que apenas podem usufruir de incentivo à compra somente com comerciais, terão ainda este ano uma versão Cargo de dois lugares), pode ficar por pouco mais de 14 mil? E, ainda mais difícil, como é que se sai de um carro cheio de luxos e nos sentimos tão bem num mar de plásticos duros e visivelmente de qualidade duvidosa? A resposta não é fácil de explicar, mas a verdade é que o Spring consegue convencer em mais do que uma frente, a começar pela sua honestidade.
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Como é que se avalia um eléctrico de uma centena de milhar de euros e a seguir se coloca o olhar sobre aquele que é o mais barato de todos, com um preço de 17.300€, mas que, beneficiando da fiscalidade verde para particulares (as empresas, que apenas podem usufruir de incentivo à compra somente com comerciais, terão ainda este ano uma versão Cargo de dois lugares), pode ficar por pouco mais de 14 mil? E, ainda mais difícil, como é que se sai de um carro cheio de luxos e nos sentimos tão bem num mar de plásticos duros e visivelmente de qualidade duvidosa? A resposta não é fácil de explicar, mas a verdade é que o Spring consegue convencer em mais do que uma frente, a começar pela sua honestidade.
Este pequeno carro, onde apenas se sentam quatro pessoas, não engana ninguém, mostrando desde o primeiro momento que se trata de um veículo apropriado para realizar curtas distâncias e de preferência em estradas urbanas, nas quais não se sentirá tanto a sua falta de potência: o motor eléctrico gera apenas 33 kW (o equivalente a 45cv), apoiado num binário máximo de 125 Nm, o que permite acelerar de 0 a 100 km/h em quase 20 segundos. A questão é: num Spring, quem é que quer chegar depressa aos 100 km/h? Até porque a velocidade máxima possível é de 125 km/h, mas para a conseguir é preciso prescindir de grande parte da já por si curta autonomia.
É que, no que diz respeito ao número de quilómetros que consegue efectuar com uma única carga, o Spring é urbano de corpo e alma. A autonomia eléctrica homologada segundo o ciclo de testes WLTP é de 230km (para um consumo de 13,9 kWh/100 km), mas o mais provável é ficar-se pelos 200, a não ser que se opte pelo modo Eco que refreia o motor e aumenta a força de regeneração. Porém, como está mais do que estudado que o condutor médio europeu não realiza mais do que 50km por dia, o Spring pode muito bem cumprir as suas funções sem criar quaisquer ansiedades.
Por fora, a Dacia conseguiu criar um desenho simpático e que não passa despercebido, com trejeitos de crossover espevitado. Já no interior dá cartas a poupança, tendo a marca analisado à lupa tudo o que podia retirar para baixar o custo de produção — e, consequentemente, o preço de venda ao público — sem deixar ninguém escandalizado. E, a nosso ver, foi bem-sucedida.
Os plásticos e as superfícies duras caracterizam um habitáculo que, apesar disso, consegue agradar pelas linhas e detalhes arrojados e onde se preferiu gastar dinheiro em equipamentos que os clientes da marca romena do Grupo Renault valorizam: caso do ar condicionado, do rádio com ligações Bluetooth e USB, do computador de bordo, dos vidros eléctricos (a função de um toque foi posta de parte), espelhos retrovisores com regulação eléctrica, banco do condutor regulável em altura, limitador de velocidade ou sensores de estacionamento, sendo que, no automóvel ensaiado com equipamento de topo Comfort Plus (mais 1500€), tínhamos ainda um sistema multimédia assente num ecrã de 7 polegadas, câmara de marcha-atrás, estofos em pele sintética e assistente ao estacionamento traseiro. E é importante sublinhar que muitos destes equipamentos são extras em carros de gamas mais altas de marcas concorrentes.
A posição de condução, ligeiramente elevada, mas sem exageros, é agradável, mas percebemos que se tivéssemos de fazer uma viagem de 500km a bordo deste veículo acabaríamos o dia com uma valente dor de costas. Mas, lá está: se isto pode ser considerado um defeito claro para um carro feito para viajar, no caso do Spring, que provavelmente raramente será usado para tal, é visto mais como um possível defeito dependendo da utilização. Aliás, este dependendo da utilização vale para quase tudo. E, se a ideia é comprar um carro de família com o objectivo de passear, é melhor pôr a ideia de um Spring automaticamente de parte.
Por outro lado, o facto de sentar apenas quatro pessoas faz com que não seja a pior solução para os passageiros do banco traseiro. Aliás, com apenas 3,73 metros de comprimento e 1,58 metros de largura, o Spring consegue surpreender pelo espaço no habitáculo (ok! Afinal, enganou-nos, mas não contabilizamos este engano como uma desonestidade) e pela capacidade da mala, de 270 litros, cuja configuração de linhas direitas permite aproveitar até ao mais ínfimo bocadinho.
Resumindo, a Dacia conseguiu produzir um eléctrico capaz de chegar a muitos, sem que as suas opções sejam chocantes. No entanto, é importante que a marca leve em conta a avaliação do organismo que mede a segurança dos automóveis comercializados na Europa, que lhe atribuiu apenas uma estrela, com notas negativas em todos os parâmetros excepto na segurança das crianças a bordo (56%). Claro que o fabricante pode alegar que o carro foi feito para circular a uma velocidade baixa e que os testes não levam em conta o facto. Mas importa interiorizar que, também nos carros, à mulher de César não basta sê-lo.