Cândida Almeida critica PJ: “Não é normal nem aconselhável” que se divulguem tentativas de ataque evitadas
Ex-directora do DCIAP considera que divulgação da operação que terá impedido ataque na Faculdade de Ciências vai contra os procedimentos normais neste tipo de casos. Fomenta o medo na sociedade e pode levar a que outros tentem actos semelhantes, alerta. Mas há quem pense o contrário, como a procuradora Maria José Morgado.
A divulgação da detenção do jovem de 18 anos que estaria a planear um ataque na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa foi “precipitada” e “anormal”, no entender de Cândida Almeida, ex-directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), que considera que a comunicação “pode levar a que outros tentem a mesma coisa por simpatia” e fomenta o “pânico e o terror nas pessoas”.
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A divulgação da detenção do jovem de 18 anos que estaria a planear um ataque na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa foi “precipitada” e “anormal”, no entender de Cândida Almeida, ex-directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), que considera que a comunicação “pode levar a que outros tentem a mesma coisa por simpatia” e fomenta o “pânico e o terror nas pessoas”.
Em declarações ao PÚBLICO, a procuradora jubilada confessa-se “surpreendida” pelo facto de a Polícia Judiciária (PJ) ter divulgado a operação, algo que vai contra aquilo que é habitual neste tipo de episódios, tanto em Portugal como em outros países.
Cândida Almeida explica até que, quando confrontada em tempos com um processo de terrorismo, a imprensa e os livros recomendavam que não fosse dada publicidade. Esse é, aliás, o procedimento “que é o costume”, quer se trate de uma tentativa de acto terrorista ou não, acrescenta.
“Muitos actos são evitados pelas polícias de todo o mundo – inclusivamente pelas nossas – e não há esta publicidade à volta dos casos, porque é uma situação que pode criar pânico e terror. Aliás, essa é a vontade dos terroristas, provocar o terror – se chegarmos à conclusão de que é um acto terrorista. Se não for, de qualquer maneira é anormal estar a relatar uma coisa que não aconteceu e, sobretudo, com esta dimensão…”, reflecte.
A procuradora-geral-adjunta jubilada compara o caso, e o mediatismo, à cobertura dos incêndios, que muitos defendem poder incentivar outros incendiários a atear fogos. “Pode trazer à lembrança de outra pessoa qualquer, e pode incentivar a que outros façam”, considera. “Não é normal nem aconselhável que se faça estas divulgações.”
Sublinhando que a sua opinião é baseada apenas nas notícias que saíram sobre o assunto, Cândida Almeida conta ter existido uma situação com “uma certa semelhança, há muitos anos”, que nunca foi divulgada. “Não sei porque é que isto aconteceu”, insiste.
“Muitas vezes, as polícias, com a sua ligação internacional e cooperação, acabam por evitar acontecimentos terroristas”, volta a referir. “E ninguém sabe, exactamente para não ser instaurado medo e terror.”
Para além da instabilidade que pode gerar, como diz parecer estar a acontecer “com os colegas que seriam visados e as famílias”, a divulgação do caso pode também ser “contraproducente” para a investigação.
“Se o indivíduo tiver preparado isto com outras pessoas, podem destruir provas e fugir. Podem estar a movimentar-se neste momento. As autoridades sabem quem são? Vão atrás deles? Só se assim for, porque senão será ainda mais difícil”, observa.
Maria José Morgado destaca “aspecto preventivo” em divulgar
Mas nem todos pensam o mesmo. A procuradora jubilada Maria José Morgado vê vantagens na divulgação de factos que, no seu entender, mais cedo ou mais tarde viriam a ser conhecidos, uma vez que um inquérito judicial passa necessariamente por muitas mãos. “Para repor a paz social e a verdade dos factos”, explica, sublinhando que isso mesmo é permitido no Código do Processo Penal. Estipula este instrumento legal que o segredo de justiça “não impede a prestação de esclarecimentos públicos pela autoridade judiciária, quando forem necessários ao restabelecimento da verdade e não prejudicarem a investigação”, nomeadamente com o objectivo de “garantir a segurança de pessoas e bens ou a tranquilidade pública”.
“Há um aspecto preventivo muito importante na divulgação desta informação”, observa a magistrada, acrescentando que em países como a França e a Bélgica seria inclusivamente normal que fosse feita uma conferência de imprensa para prestar esclarecimentos. Como chegou, aliás, a estar previsto neste caso, tendo a Polícia Judiciária acabado por desistir de o fazer.
Também o presidente do Sindicato de Magistrados do Ministério Público não vê problema algum nesta prática. Deixando para especialistas em psicologia considerações para um eventual efeito de mimetismo provocado pela divulgação, Adão Carvalho faz um paralelo com o que se passa com os incêndios no Verão, cujas imagens podem desencadear comportamentos pirómanos: “É impossível reter este tipo de informação.” Tal como Maria José Morgado, também o dirigente sindical entende que nestas circunstâncias a melhor opção é a transparência, “que contribui para serenar a comunidade”.
Fonte da Polícia Judiciária diz que nunca foi prática sua esconder este tipo de informações. E acrescenta que houve uma fuga de informação que fez com que a CNN Portugal tivesse revelado o caso na quinta-feira, razão pela qual a Judiciária se sentiu na obrigação de emitir imediatamente um comunicado que teve também a chancela do Ministério Público.