As algas são um assunto sério e saboroso

As algas existem em abundância na costa portuguesa, podem ajudar a mitigar problemas ambientais, têm múltiplas aplicações na investigação farmacêutica e, cereja em cima do bolo, guardam grande potencial culinário - com a grande mais-valia de que não precisamos de inventar um novo receituário para as usar. As algas ficam bem nos pratos tradicionais portugueses.

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As algas estão na ordem do dia por razões clássicas (fonte de proteína para humanos e demais animais, e ingrediente para indústria cosmética) e por razões ambientais. Nestas últimas, há uma infinidade de propostas, das quais destacamos a utilização de algas nas rações dos bovinos como forma de redução de metano (falta estudar o impacto que isso terá na vida dos animais e na própria qualidade da carne e do leite), a produção de bioplásticos (degradáveis e, nalguns casos, passíveis de serem comidos) e, num exercício algo futurista, a criação de campos de cultivo de algas nos oceanos como solução para o sequestro de C02 – o problema é saber o que fazer com algas que crescem a uma velocidade muito rápida.

Claro que em todos os laboratórios farmacêuticos deste mundo se continua a explorar o potencial das algas para a prevenção ou resolução de um conjunto de patologias humanas, coisa que, de resto, os asiáticos já fazem empiricamente há séculos. Aliás, em matéria de produção de algas, há dois grandes blocos: a Ásia, que domina em larga escala, e o resto do mundo.

Enquanto os cientistas se concentram nas soluções para evitar uma catástrofe ambiental, uma coisa já sabemos: em Portugal há algas muito saborosas e diversificadas, que podem funcionar como fonte nutricional interessante (proteínas, potássio, iodo, ferro, magnésio e inúmeras vitaminas) e que, curiosamente, poderão estar à vontade nalguns pratos elementares da nossa gastronomia. Qual é o problema? Não temos tradição no seu uso. Quer dizer, na ilha das Flores sempre se usou a erva-patinha para umas omeletes de estalo (quando a fome apertava tudo servia), mas tirando isso sobra muito pouco.

É por isso que o livro algo com Algas, de Pedro Mendes, feito entre amigos para quebrar a pasmaceira do primeiro confinamento, deve estar na cozinha daqueles que querem comer de forma saudável, mas com sabor. Já lá vamos a este assunto, mas, primeiro, com uma passagem inicial sobre o estado da arte da produção de algas em sistema de aquacultura em Portugal.

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Nuno Ferreira Santos

As “condições fantásticas” da costa portuguesa

Grosso modo, o negócio das algas divide-se em dois modos de produção: recolha na natureza e produção em aquacultura. E dentro do universo da aquacultura, temos produção de micro-algas e macro-algas. As primeiras são algas unicelulares microscópicas, que conhecemos na forma de espirulina, clorela ou tetraselmis, e as segundas são a larga família de algas que existem naturalmente nossa costa. E há muitas.

De acordo com Rui Pereira, responsável da A4F, empresa de consultoria na instalação de projectos de produção de micro- e macro-algas, “Portugal tem condições fantásticas para a criação de empresas nesta área porque não só temos riqueza e diversidade de algas em meio natural (por comparação com o Norte de Europa), como temos excelentes condições de luz e temperatura e áreas de estuário abundantes e abandonadas que são únicas. Se apostássemos na diversidade das nossas algas – que não existem noutras latitudes –, Portugal seria um player importante nesta área.”

A Algaplus está há uma década colocar na agenda a cultura do consumo humano de algas, quer por via da produção em aquacultura em modo biológico e em processo de co-associação com a piscicultura (robalos e douradas), quer por via da investigação ou da abertura da empresa à sociedade – às escolas em geral e às escolas hoteleiras. Hoje temos algumas empresas a instalar-se na produção de micro- e macro-algas, mas quase tudo começou com a Algaplus.

De acordo com Helena Abreu, fundadora da empresa de Ílhavo, a Algaplus tem como objectivo produzir este ano 50 toneladas de algas e, em 2023, atingir as 150 toneladas. “A nossa ideia é tentar que os portugueses percebam a riqueza do ponto de vista de nutrição e de sabor das algas”, diz-nos a administradora, que não deixa de mencionar que 75 por cento da produção da Algaplus se destina aos mercados externos, em particular a França, que é, em termos de aplicações de algas, o mais importante mercado europeu. “O que pretendemos é que os consumidores entendam as algas como legumes de mar ricos e um excelente condimento no dia-a-dia quando estamos a confeccionar.”

Entre as diferentes famílias de algas que produzem (algumas são compradas a produtores de outros países), destaca-se, a larga distância, a alface-do-mar (internacionalmente conhecida como sea lettuce). Seguem-se coisas o como o cabelo-de-velha (ogonori), o chorão-do-mar (codium), a erva-patinha (Atlantic nori) ou a tão desejada alga botelho-comprido (dulse).

Estas algas são apresentadas frescas, com sal ou desidratadas. Neste último caso, antes da confecção terão de ser hidratadas durante alguns minutos em água fria ou tépida. Água esta que pode ser usada à laia de caldo para, por exemplo, preparar um arroz.

Segundo a bióloga, Portugal terá 450 a 600 espécies de algas ao longo da costa (o intervalo tem que ver com variáveis ambientais que podem afectar a vida de certas espécies), razão pela qual “há ainda muito por explorar, quer no que diz respeito à venda da alga em si, quer na sua utilização como ingrediente em produtos alimentares”, como é o caso de uma maionese que está no mercado nacional e que usa algas como estratégia para reduzir em 50 por cento a quantidade de sal ou as conservas de peixe com algas. “Ao contrário do que acontece nos mercados asiáticos, que produzem em grande volume, Portugal deve especializar-se em produtos feitos a partir de algas com grande valor acrescentado”, salienta Helena Abreu. O único problema é que rentabilizar uma nova espécie é algo que demora tempo e exige investimento considerável.

Por outro lado, como a Algaplus é um projecto de produção integrada, estão já à venda numa cadeia de distribuição alimentar especializada – a Makro – robalos e douradas, também com selo de certificação bio. A água dos tanques onde vivem os peixes é rica em amónio e demais nitratos, que são excelentes fertilizantes para a produção de algas. Os peixes, por seu turno, além de se alimentarem com aquilo que as águas das marés trazem para os tanques, recebem suplementação à base de algas. Produção circular e biológica.

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Nuno Ferreira Santos

As algas são uma festa nas mãos de Pedro Mendes

Pedro Mendes é um chef peculiar. Quando se apaixona por um determinado produto não o larga até conseguir meter as receitas que inventou em livro. Foi assim com as bolotas, num tempo em que muita gente pensava que só serviam para alimentação animal. E é assim, agora, com as algas. O livro algo com Algas é um projecto que tinha em mente há muitos anos, mas que foi sempre adiado. “Durante o primeiro confinamento, como já não sabia o que fazer com o tempo, resolvi tratar tudo de rajada. Arranjei alguns patrocinadores e a cozinha de um amigo que tem um restaurante na Costa da Caparica e lá se testaram e fotografaram os pratos”, diz-nos o chefe do Hotel Marmòris, em Vila Viçosa.

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Nuno Ferreira Santos�

Uma das grandes mais-valias deste projecto é que Pedro Mendes não se meteu a inventar receitas que necessitassem de tecnologia que quase só existe em restaurantes de fine dining. Pelo contrário, ele adaptou diferentes espécies de algas a pratos que todos os consumidores conhecem. Pão, omeletes, manteigas compostas, feijoadas, caldeiradas ou açordas (ao todo, 39 receitas), tudo pode contar com a presença de algas. “Além de serem nutritivas, dão sabor e textura ao prato e – maravilha das maravilhas – contribuem para a redução da quantidade de sal na confecção. Que mais se pode pedir?”. De maneira que vamos lá explicar como se usam as algas em dois pratos: um arroz caldoso com algas e um à Braz de algas.