Vinte anos de Alqueva: um sucesso para quem?
Ao balanço económico, não tão positivo como se propagandeia, e social, deveras preocupante, juntam-se graves impactos ambientais ligados à sobrexploração dos solos, à contaminação da água e do ar e à destruição da biodiversidade.
Neste dia 8 de fevereiro de 2022 comemoram-se os 20 anos de encerramento da comporta de fundo da barragem de Alqueva, que deu início ao enchimento da maior albufeira de Portugal, e uma das maiores da Europa.
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Neste dia 8 de fevereiro de 2022 comemoram-se os 20 anos de encerramento da comporta de fundo da barragem de Alqueva, que deu início ao enchimento da maior albufeira de Portugal, e uma das maiores da Europa.
A conjunção entre disponibilidade de água, preços dos mercados agrícolas de vários produtos, globalização económica e incentivos financeiros da UE, transformou radicalmente a paisagem de toda a área de influência do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (EFMA), em particular no Baixo Alentejo e Alentejo Central. As searas, pastagens e pousios foram progressivamente dando lugar a regadios intensivos, fortemente dominados por novos olivais.
Esta transformação tem sido elogiada como um caso de sucesso, o que a nível macroeconómico é inegável, tendo o EFMA contribuído fortemente para o aumento do Valor Acrescentado Bruto e das exportações do setor agrícola que se tem verificado no nosso país. As infraestruturas foram pagas pelos contribuintes mas grande parte dos maiores investidores não está sediada na região, não paga impostos diretos no país, utiliza poucos fornecedores intermédios locais e pouca mão-de-obra local (e na maior parte dos casos, pouco qualificada).
Socialmente, de facto, Alqueva tem impactos negativos muito relevantes, ligados quer à “importação” de mão-de-obra desqualificada, mal tratada e quase nunca contratualizada, quer à progressiva perda de identidade e ligação à terra das populações locais. Só assim se explica que, na área do EFMA, tenhamos continuado a assistir ao longo dos últimos 20 anos ao mesmo despovoamento e abandono que têm caracterizado o restante interior do país (por exemplo, o concelho de Beja perdeu 6,8% na última década, Ferreira 7,0%, Cuba 10,3% e Vidigueira 12,7% - alguns dos concelhos com maior abrangência dos novos regadios de Alqueva).
A este balanço económico, não tão positivo como se propagandeia, e social, deveras preocupante, juntam-se graves impactos ambientais ligados à sobrexploração dos solos, à contaminação da água e do ar (derivados da utilização intensiva de fitofármacos, fertilizantes e outros agroquímicos) e à destruição da biodiversidade, cujas consequências na saúde pública começam aos poucos a ser expostas e noticiadas, embora ainda mal conhecidas.
Sendo inegável o valor da reserva estratégica de água que Alqueva representa para a região, e o contributo económico do EFMA quer para a região quer para o país, também são inegáveis os seus elevados custos em todas as dimensões, além do risco de dependência que advém de uma quase monocultura (do olival). O modelo de sucesso tem claramente de ser ponderado, e revisto, também à luz das alterações climáticas em curso e da crescente redução das disponibilidades hídricas no país.
Em junho deste ano celebra-se outra data redonda, a dos 30 anos da Conferência da Terra das Nações Unidas (Rio de Janeiro, 1992), onde os países assumiram a tarefa de conciliar os três pilares do desenvolvimento (ambiental, social e económico) de forma a garantir a sua sustentabilidade. É uma promessa por cumprir, e a visão economicista de sucesso de Alqueva não contribui para ela. Só quando estes grandes investimentos pesarem os verdadeiros custos para a sociedade no seu todo, não só económicos mas sociais e ambientais também, estaremos a cumprir a promessa de 1992, e a nossa visão de um mundo onde pessoas e natureza vivam em harmonia. Por muitos e longos anos.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico