Eileen Gu, a “Princesa da Neve” chinesa com cidadania norte-americana
A esquiadora, de 18 anos, está a competir nos Jogos Olímpicos de Inverno e é uma das estrelas da modalidade. Mas as questões que rodeiam a sua nacionalidade levantam questões sensíveis de diplomacia.
Com apenas 18 anos, a esquiadora de estilo livre Eileen Gu é já considerada um prodígio da modalidade. Natural de São Francisco, nos Estados Unidos e com ascendência chinesa pela parte da mãe, a atleta está, em tempo de Jogos Olímpicos de Inverno, nas bocas do mundo e nem tudo se deve ao talento para o desporto.
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Com apenas 18 anos, a esquiadora de estilo livre Eileen Gu é já considerada um prodígio da modalidade. Natural de São Francisco, nos Estados Unidos e com ascendência chinesa pela parte da mãe, a atleta está, em tempo de Jogos Olímpicos de Inverno, nas bocas do mundo e nem tudo se deve ao talento para o desporto.
Estreou-se na competição na segunda-feira como “favorita” e perante um público visivelmente entusiasmado e ansioso para assistir à sua exibição. No final, qualificou-se para as finais do big air, evento em que os esquiadores se lançam no ar a partir de uma rampa íngreme e completam o máximo de manobras que conseguirem.
Desde que iniciou a carreira, em 2018, Eileen venceu oito competições internacionais de esqui, tendo numa delas alcançado o ouro. Até 2019, conseguiu conciliar as culturas chinesa e norte-americana, mas a competir nos Jogos Olímpicos teve de escolher o país que quer representar. “Esta foi uma decisão incrivelmente difícil de tomar. Estou orgulhosa da minha herança, e igualmente orgulhosa da minha educação americana”, escreveu na altura, numa publicação de Instagram.
Acabou por se decidir a favor da China e a discussão disparou. É norte-americana ou chinesa?
De norte-americana a “chinesa estrangeira"
Para além da possibilidade de ter dupla nacionalidade – situação que a China não reconhece –, Eileen Gu lida ainda com o problema de ter ligações a dois países que vivem num clima de forte tensão diplomática. Questionada sobre o tema a atleta é bem clara. “Ninguém pode negar que eu sou americana. Quando vou à China, ninguém pode negar que sou chinesa porque sou fluente na língua e na cultura e identifico-me completamente com ela”, afirma.
Nos últimos anos, o Governo tem encorajado a população chinesa a denunciar pessoas com dois passaportes em segredo. Contudo, há excepções. Em 2020, o Ministério da Justiça alargou as regras de obtenção de residência permanente para personalidades de diversas áreas, entre as quais figuram o desporto, a ciência ou a cultura, pelo que a nova medida parece aplicar-se à esquiadora.
Na realidade, a história completa da cidadania de Gu continua por descobrir, dado que a atleta nunca partilhou publicamente se renunciou à dupla nacionalidade para competir pela China. Ainda assim, e pelo menos por enquanto, a questão não parece ser relevante para o Governo, que agrupa a esquiadora na categoria de “chinesa estrangeira”, isto é, cidadã estrangeira de ascendência chinesa que pertence à nação e faz parte do “sonho chinês”.
Na verdade, a troca de cidadania no desporto acontece com frequência – para além de Eileen Gu, estão também envoltos em polémica o jogador de hóquei no gelo Brandon Yip e o patinador de gelo Zhu Yi.
“A única forma de os jogadores de hóquei poderem tornar-se cidadãos chineses é naturalizarem-se, e ao abrigo da lei da nacionalidade chinesa, precisam de renunciar à sua cidadania estrangeira”, afirmou à CNN Donald Clarke, professor especializado em direito chinês.
Segundo Clarke, existe uma forte possibilidade de a China ter contornado as suas próprias regras, permitindo que os atletas nascidos no estrangeiro mantenham dois passaportes, na esperança de alcançarem um maior número de medalhas olímpicas.
Política “de pinças” e campanha publicitária
Com forte destaque nos meios de comunicação, Gu opta por tratar com pinças questões de ideologia política que envolvem as duas nações. Se, por um lado, apoia os movimentos Black Lives Matter e se declara contra a violência anti-Asiática nos Estados Unidos, por outro, mantém-se à margem das questões de violação dos direitos humanos levadas a cabo pela China. “Não há necessidade de ser divisiva”, revelou a esquiadora ao The New York Times.
Divisiva tem sido a opinião que os dois países mantêm acerca ela. Enquanto a imprensa norte-americana a apelida de “criança ingrata da América”, condenando a sua atitude, os meios de comunicação estatais chineses baptizam-na de “Princesa da Neve”, divulgam vídeos promocionais e colocam equipas de documentários a acompanhar cada passo que dá.
O que não está claro é se a manobra publicitária prosseguirá se Gu - que em Pequim não vai encontrar nenhum representante político dos Estados Unidos, um dos países a boicotar os Jogos Olímpicos de Inverno - não arrecadar as três medalhas de ouro que os analistas projectam que vença.