O que fazer perante uma mãe triste?

A depressão aparece e acontece. Fica-se diferente e quem está por perto sente-se perdido e impotente. A vida vence quase sempre. Ainda bem.

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Como lidar com um passado feliz e aceitar um presente inquietante? É nesta ambiguidade que vive a protagonista deste livro em prosa poética. “A minha mãe parece diferente”, diz-nos logo à chegada. “Onde está o crisântemo amarelo, mistura de biscoito e claridade? Os nossos dias eram tão simples e, por isso, tão perfeitos: bolos dentro do forno, troca de olhares, serenidade”, prossegue. E logo nos agarra.

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Como lidar com um passado feliz e aceitar um presente inquietante? É nesta ambiguidade que vive a protagonista deste livro em prosa poética. “A minha mãe parece diferente”, diz-nos logo à chegada. “Onde está o crisântemo amarelo, mistura de biscoito e claridade? Os nossos dias eram tão simples e, por isso, tão perfeitos: bolos dentro do forno, troca de olhares, serenidade”, prossegue. E logo nos agarra.

É uma mãe que está triste, mas podia ser uma filha. Explica-nos a autora, Gilda Nunes Barata: “O texto do livro A Jarra Branca parte de uma metáfora (uma jarra branca), tencionando concentrar nesse objecto uma sensação de não-ser motivada pela prostração que a doença provoca em quem sofre. Essa imobilidade causa forte transtorno, também, a quem assiste: uma criança, um ente querido, qualquer um que tenha uma relação de amor ou proximidade.”

A autora, doutorada em Filosofia, perdeu a mãe aos oito anos e descreve ao PÚBLICO vivências de infância que ajudam a perceber o livro que aqui trazemos: “Entre os meus seis e oito anos, introduziu-se a doença na normalidade das nossas vidas. Algo se quebrara, modificando o cenário ideal dos dias de amor, carinho e segurança, ‘mistura de biscoito e claridade’. A última vez que vi a minha mãe foi numa casa de repouso. Não reconheceu as filhas. Sentou-se, na cama, a pedido do meu pai, olhando o vazio.”

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Anabela Dias

Esses últimos dias de vida de um “rosto de porcelana” acabam por ser aqui retratados e de certa forma homenageados: “Naqueles instantes, instalou-se o nada no meu coração. Quando alguém que amamos não nos reconhece, a nossa existência perde realidade.”

Gilda Nunes Barata diz ainda sobre este livro: “O texto instaura, logo no início, dois tempos distintos: o passado feliz e o presente cheio de inquietação, insegurança, medo, obscuridade. Existe uma menina que não sabe o que fazer, como fazer, ou até se terá culpa perante uma mãe que ‘parece diferente’. Há algo maior, mais indefinido, nas entrelinhas do que depressão.”

Será a natureza o elemento redentor a que várias vezes recorre nas suas obras: “Um pássaro preto partirá ‘a jarra branca’, dando movimento a um cenário estático.”

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Anabela Dias

Para encerrar, a escritora e poetisa diz-nos ainda como, no final, pretendeu apelar à mudança e ao futuro, dando-nos duas hipóteses: “A mãe poderá partir com ‘olhos fechados, por fora, abertos, por dentro, no céu’. A morte” ou “‘com a aurora’, a mãe da menina voltará a ser quem era. Fica curada. Vence a vida”.

Transmitir luz e esperança na ilustração

Não foi fácil para Anabela Dias ilustrar este tema, como contou ao PÚBLICO via email: “Foi um processo doloroso: pelo tema, que eu não queria tratar de forma redundante, mas sim acrescentar ao texto novas formas de ‘ler’ as entrelinhas; por eu saber o que é ‘viver com’ a depressão, dentro e fora dela.”

A ilustradora queria trabalhar uma narrativa baseada em metáforas visuais e desafiou-se a si própria a usar materiais que abandonara há algum tempo. Descreveu-nos assim a técnica usada: “A tinta-da-china e o acrílico são o seu suporte e apenas alguns apontamentos a aguarela nas flores e folhagens. O meu objectivo desde o início foi dar força ao traço da tinta-da-china com caneta de aparo, resultando num trabalho mais gráfico do que os anteriores, e reforçar a profundeza da depressão com o preto, em oposição ao amarelo do crisântemo e do bolo, que transmitem luz e esperança.”

Os originais das ilustrações estão expostos na livraria Papa-Livros, no Porto, até ao final de Fevereiro.

A autora do texto mostrou-se feliz com o resultado gráfico e artístico do livro: “O cromatismo escolhido por Anabela Dias trabalha, a fundo, as emoções com muita inteligência. Várias imagens são intrigantes, como a mãe deitada dentro da jarra branca. A chuva negra torrencial a entrar na jarra é de uma força extrema!”

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Anabela Dias

Ficou também agradada com as imagens da natureza: “Estão muito bem convocadas. Há pensamento. A jarra branca tem vários ângulos. Não é apenas uma jarra em cima de um móvel.” E conclui: “A jarra branca é uma personagem como a menina, a mãe. Tem personalidade.”

Afinal, ainda há finais felizes.

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