Ex-director do Museu da Presidência demarca-se de aluguer de presépios de Maria Cavaco Silva

Diogo Gaspar está a responder em tribunal por 42 crimes. É suspeito de ter desviado de Belém móveis e obras de arte.

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Diogo Gaspar está a ser julgado por 42 crimes António José

O ex-director do Museu da Presidência da República Diogo Gaspar demarcou-se esta sexta-feira em tribunal do aluguer dos presépios de Maria Cavaco Silva por uma empresa que pertencia ao seu namorado da altura. A firma cobrou 30 mil euros a uma fundação espanhola para expor a colecção em Cáceres no Natal de 2011, verba da qual nem a primeira-dama nem a presidência da República viram um tostão.

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O ex-director do Museu da Presidência da República Diogo Gaspar demarcou-se esta sexta-feira em tribunal do aluguer dos presépios de Maria Cavaco Silva por uma empresa que pertencia ao seu namorado da altura. A firma cobrou 30 mil euros a uma fundação espanhola para expor a colecção em Cáceres no Natal de 2011, verba da qual nem a primeira-dama nem a presidência da República viram um tostão.

Diogo Gaspar responde em tribunal por abuso de poder, participação económica em negócio, tráfico de influência, falsificação de documentos, peculato e branqueamento de capitais, num total de 42 crimes. É suspeito de ter desviado móveis e obras de arte do museu, mas também de ter feito com que a Presidência da República tivesse contratado os serviços das firmas do namorado durante parte da década e meia em que ali trabalhou. O que tem vindo a negar ao longo deste julgamento, admitindo no entanto essas contratações. Mas alega que se os restantes departamentos da Presidência que não aquele que dirigia contrataram os serviços do namorado foi por sua conta e risco, e nunca por sua influência.

Questionado sobre o que acontecia a esse nível no museu que governou até 2016, altura em que foi detido, Diogo Gaspar respondeu como pôde: “Se alguma vez indiquei o nome de José Dias foi por o seu trabalho ser útil, necessário e bem feito. Não era para o beneficiar a ele, mas para beneficiar o museu.”

Segundo a acusação do Ministério Público, o arguido criou firmas com dois amigos, José Dias e outro cúmplice, para prestar serviços ao Palácio de Belém. E foi uma delas, a Traço a Traço, que alugou os presépios de Maria Cavaco Silva por 30 mil euros para a exposição em Espanha.

Antes de Maria Cavaco se tornar primeira-dama, a colecção de figurinhas era pequena, explicou em tribunal esta sexta-feira Diogo Gaspar. Foi em Belém que ganhou alento, e apesar de não estar toda no palácio competia ao Museu da Presidência decidir, como o seu acordo, a quem podia ou não ser emprestada para exposição.

O surgimento da empresa do namorado de Diogo Gaspar no aluguer dos presépios à fundação espanhola Mercedes Calles y Carlos Ballestero, justifica-o o arguido com exigências da própria fundação, que precisava de um parceiro em Portugal que tratasse de toda a logística associada ao transporte das peças para Espanha. Mas ao magistrado que preside ao julgamento não passou despercebido que a contratação da Traço a Traço pressupunha que a firma detivesse a posse das peças, o que não era reconhecidamente verdade. Tal como não lhe passou despercebido que o seu transporte até Espanha estava à partida garantido, de forma gratuita, pela Presidência, o mesmo sucedendo com o seguro de viagem, pago pela companhia Lusitânia.

Apesar de ter ido a Cáceres com colegas seus conhecer os responsáveis da fundação onde ia ser montada a mostra, Diogo Gaspar demarcou-se por completo do contrato firmado entre a empresa do namorado e a instituição espanhola: “Não tive nada a ver com ele. Zero”. E garantiu nem ter visto sequer o documento em causa até ter sido incriminado neste processo judicial. Quanto aos 30 mil euros cobrados à fundação, assaca-os aos custos inerentes a qualquer exposição. Houve que alugar dois camiões para transportar vitrines e também uma grua, exemplificou, além do aluguer de alojamento para os técnicos portugueses envolvidos na mostra, que exigiu ainda a produção de cartazes e catálogos. Porém, segundo a acusação parte deste trabalho foi desenvolvido na própria Presidência da República, por funcionários da secretaria-geral.

Quando, em Junho de 2016, a Judiciária desencadeou a chamada Operação Cavaleiro, em homenagem aos títulos honoríficos concedidos ao historiador pela sua performance no museu, encontra na casa do suspeito, em Lisboa, mas também na residência dos pais, em Portalegre, dezenas de peças de mobiliário, tapetes e quadros cuja proveniência tenta apurar. Nuns casos terão sido compradas ao Palácio de Belém por atacado em 2009 por um preço inferior ao de mercado, através destas empresas, concluiu a Judiciária, depois de ter sido o próprio arguido a indicá-las para abate; noutros tê-las-á levado simplesmente para casa. O valor unitário de cada uma delas nunca ultrapassava as centenas de euros.

No início do julgamento Diogo Gaspar disse ter sido alvo de uma cabala destinada a acabar com uma carreira de cerca década e meia à frente do museu. E se nuns casos admitiu ter comprado a um antiquário material que este tinha por seu turno adquirido à Presidência da República, noutros alegou ter sido ele próprio e a sua família a emprestarem objectos à instituição ­- serviços de jantar, peças de prata, candelabros.

Numa das primeiras sessões do julgamento o seu advogado, Raul Soares da Veiga, declarou que a acusação espelhava “um preconceito discriminatório homofóbico”, ao fazer algumas considerações sobre as viagens e estadias em hotéis do seu cliente.