Primeiro-ministro da Irlanda do Norte demite-se em protesto contra o protocolo irlandês do “Brexit”
Nos termos do sistema de partilha de poder do governo norte-irlandês, a vice-primeira-ministra, do Sinn Féin, também perde o cargo. DUP critica Governo de Johnson.
Ao fim de vários meses a ameaçar tomar medidas drásticas para ver eliminado o protocolo irlandês que integra o acordo de saída do Reino Unido da União Europeia e que define o sistema regulatório aplicável à entrada na Irlanda do Norte de produtos de Inglaterra, País de Gales e Escócia, o Partido Unionista Democrático (DUP) decidiu passar das palavras aos actos.
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Ao fim de vários meses a ameaçar tomar medidas drásticas para ver eliminado o protocolo irlandês que integra o acordo de saída do Reino Unido da União Europeia e que define o sistema regulatório aplicável à entrada na Irlanda do Norte de produtos de Inglaterra, País de Gales e Escócia, o Partido Unionista Democrático (DUP) decidiu passar das palavras aos actos.
Paul Givan, primeiro-ministro unionista, anunciou nesta quinta-feira a renúncia ao cargo, assumindo, em nome do partido, o protesto contra a incapacidade do Governo britânico em negociar uma alternativa com Bruxelas.
Nos termos do sistema de partilha de poder na Irlanda do Norte, desenhado para acomodar no governo regional os representantes políticos das duas principais facções rivais da guerra civil – unionistas e republicanos –, nem o primeiro-ministro nem o vice-primeiro-ministro podem ficar no cargo se um ou o outro se demitir. Assim, com a demissão de Givan, cai também Michelle O’Neill, do Sinn Féin.
“Hoje chega ao fim aquilo que tem sido o maior privilégio da minha vida. Desempenhar este cargo acarretou uma enorme responsabilidade e senti muitas vezes o peso desse fardo: o de que fazer aquilo que é mais correcto para todas as pessoas”, afirmou Givan, em conferência de imprensa.
Givan ocupava o cargo desde Junho do ano passado, tendo substituído Arlene Foster. A antiga primeira-ministra e ex-líder do DUP saiu de cena em Abril de 2021 por causa das críticas dentro do partido ultraconservador à sua gestão do dossiê do “Brexit”.
A lei norte-irlandesa dá até seis semanas a ambos partidos para nomearem substitutos, mas o mais provável é que o executivo se mantenha em gestão até às próximas eleições para a Assembleia da Irlanda do Norte. O acto eleitoral está agendado para o dia 5 de Maio, mas o Sinn Féin exige a sua antecipação para evitar um bloqueio político.
“Não podemos encarar os próximos meses sem um executivo em funções e o Sinn Féin não vai facilitar nesta matéria”, afiançou Mary Lou McDonald, líder do antigo braço político do Exército Republicano Irlandês (IRA).
“Na ausência de um executivo em funções, tem de ser organizada uma eleição antecipada e as pessoas têm de se pronunciar. Podemos fazer muito melhor do que este teatro caótico”, criticou McDonald, apontando o dedo ao DUP.
Jeffrey Donaldson, líder do partido unionista, já tinha ameaçado com a retirada dos seus ministros do governo da Irlanda do Norte caso as suas exigências em relação ao protocolo não fossem atendidas. O DUP entende que os controlos alfandegários aos produtos vindos da Grã-Bretanha põem em causa o enquadramento constitucional do Reino Unido.
O protocolo irlandês foi a solução encontrada pelo Governo britânico e pela UE para responder à opção de Boris Johnson de abandonar o mercado único e a união aduaneira europeia e para evitar uma fronteira na ilha irlandesa, entre Irlanda do Norte (que faz parte do Reino Unido) e a República da Irlanda (Estado-membro da UE).
Ao mesmo tempo procurou-se respeitar os princípios do Acordo de Sexta-Feira Santa (1998), que pôs fim a três décadas de guerra civil entre unionistas e republicanos.
Acusando o Governo Johnson de não “proteger o lugar da Irlanda do Norte no mercado interno do Reino Unido”, Donaldson lembrou que sempre disse que, enquanto líder do DUP, não estava “preparado para estender a mão a um protocolo que enfraquece tão profundamente a União, a integridade económica do Reino Unido e posição da Irlanda do Norte [no país]”.
Brandon Lewis, ministro do Governo britânico para a Irlanda do Norte disse que a demissão de Givan é “extremamente desapontante” e pediu ao DUP para “restituir o primeiro-ministro imediatamente” para “garantir os serviços públicos necessários aos cidadãos da Irlanda do Norte”.
A ministra dos Negócios Estrangeiros britânica, Elizabeth Truss, e o vice-presidente da Comissão Europeia, Maros Sefcovic, voltaram a falar nesta quinta-feira ao telefone para continuarem a discutir a melhor forma de aplicação do protocolo.
A demissão de Givan surge um dia depois de o ministro da Agricultura, Edwin Poots, do DUP, ter ordenado às autoridades portuárias da Irlanda do Norte a suspensão dos controlos alfandegários aos produtos agro-alimentares vindos da Grã-Bretanha – incumprindo, dessa forma, o protocolo.
A suspensão entrou em vigor à meia-noite de quarta-feira, mas, nesta quinta-feira não havia relatos de que os controlos tenham sido, de facto, suspensos – o Sinn Féin descreveu a decisão de Poots como uma “encenação”.