Cães e gatos podem apanhar covid-19 dos donos
Sendo uma “zoonose reversa”, a covid-19 transmite-se entre humanos, entre humanos e animais e, revela agora uma investigação portuguesa, também a transmissão entre animais é um risco a considerar. Não há, no entanto, evidências de que os animais domésticos possam transmitir o vírus de volta.
Um novo estudo científico de autoria nacional traz novos contributos relativamente ao contágio de animais por covid-19. Cães e gatos podem ficar infectados, especialmente através do contacto humano, devendo os animais domésticos ser assim encarados como potenciais portadores de carga viral.
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Um novo estudo científico de autoria nacional traz novos contributos relativamente ao contágio de animais por covid-19. Cães e gatos podem ficar infectados, especialmente através do contacto humano, devendo os animais domésticos ser assim encarados como potenciais portadores de carga viral.
Enquanto os gatos são os mais vulneráveis ao vírus, uma vez que são mais susceptíveis tanto de apanhar o vírus como de apresentar sintomas, os cães são, por outro lado, os que podem atingir a carga viral mais alta. Esta é uma das conclusões inovadoras da investigação, uma vez que “todos os outros estudos mostraram que a carga viral era baixa, nós mostramos que é alta”, diz à CNN Portugal Isabel Fidalgo-Carvalho, um dos cinco investigadores portugueses envolvidos.
Publicada na quarta-feira na revista Microorganisms, a investigação recolheu dados, entre Dezembro de 2020 a Maio de 2021, de 148 cães e 69 gatos inseridos em ambientes familiares, excepto 20 cães que estavam alojados em canis. Desta forma, os próprios autores admitem ser pioneiros em Portugal ao lançarem um estudo “em larga escala da infecção por Sars-CoV-2 em cães e gatos expostos a condições naturais”.
Dos 217 animais em estudo, que viviam em cinco distritos diferentes do país, 22 revelaram-se seropositivos. Entre os 69 gatos foram 15 os que testaram positivo à presença de anticorpos, nove dos quais com sinais clínicos. Quatro mostraram sintomas respiratórios, dois tinham sintomas neurológicos, três apresentavam sintomas digestivos, dois sofreram uma redução de apetite e um teve febre. Dos gatos infectados, dez recuperaram e cinco tiveram de ser sujeitos à eutanásia ou faleceram.
Já entre os 148 cães, os números são menores. Apenas sete testaram positivo, com apenas um sintomático entre eles a ter manifestado problemas digestivos e nenhumas mortes.
A premissa de que os animais podem ser contagiados pela covid-19 não é nova, visto que diversos estudos levados a cabo desde o início da pandemia têm vindo a demonstrar a possibilidade de haver uma transmissão viral entre várias espécies de animais, inclusive animais selvagens. Também esta maior susceptibilidade de os gatos apanharem mais o vírus de que o estudo fala vai ao encontro de conclusões anteriores, já que se sabia que “eles são muito sensíveis a outros coronavírus”, confirma Isabel Fidalgo-Carvalho.
Claro fica que o principal factor de infecção dos animais domésticos é, de facto, o contacto humano, uma vez que a maioria dos gatos seropositivos vivia junto de donos infectados (é o caso de 9 dos 15 positivos, dois dos quais tiveram também contacto com gatos vizinhos).
Ainda assim, os investigadores não descartam nem a transmissão entre animais, especialmente no caso dos gatos, nem através de “ambientes contaminados”, referindo no estudo que “é possível e pode ser mais comum do que o esperado em ambientes naturais, sendo isto consistente com outros estudos experimentais”. Isto porque os restantes felinos infectados, bem como dois dos sete cães, viviam num domicílio onde os donos estavam negativos, mas que tinham tido contacto com o exterior.
Quanto à longevidade dos anticorpos, os investigadores revelam que fizeram uma segunda volta de testes de sangue a três dos animais seropositivos, tendo verificado que um gato se manteve seronegativo durante três meses após o teste positivo, um cão após um mês e outro cão estendeu-se a nove meses. Os autores admitem, no entanto, que são necessários mais estudos neste sentido para colmatar as oscilações observadas e ser possível retirar conclusões mais robustas.
Seres diferentes, mas medidas de protecção semelhantes
Assegurando que não há evidências de que os animais domésticos possam passar o vírus de volta aos humanos, a investigadora ouvida pela CNN refere que “o grande risco é do dono para os animais”. É por isso que pede aos donos que não os abandonem, mas que os protejam seguindo as mesmas medidas de precaução a que estão acostumados: usar máscara e manter o distanciamento, ainda que reconheça que estas sejam mais complicadas de cumprir neste caso. Isolá-los não é uma solução que aconselhe, no entanto.
Além disso, também a realização de testes serológicos deve estar presente nos cuidados, devendo estes serem feitos duas semanas após a tomada de conhecimento do resultado do teste dos donos, visto que o período de incubação é semelhante ao dos humanos.
Esta medida é aconselhável não só como forma de proteger os animais, mas surge também como contributo para a avaliação da evolução dos factores de risco que os animais possam representar enquanto potenciais portadores silenciosos do vírus.
A própria Organização Mundial da Saúde Animal tem apelado a uma abordagem à pandemia que alie a espécie humana à animal, à qual designa de “Uma Só Saúde”, a fim de se prevenir o aparecimento de novas variantes e de dar uma melhor compreensão sobre o processo de evolução da covid-19.