A nova geração: o futuro que devíamos ser

Sim, sou uma millennial e faço parte da geração à rasca, a geração que viveu pelo menos duas crises e uma pandemia e a quem mataram o conceito de estabilidade. Mas há uma nova geração cheia de força e de medos que precisa de nós, uma geração que merece poder fazer diferente: a geração Z.

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São 18h26 e eu estou a sair do meu turno como recepcionista em part-time numa escola onde estou enregelada por causa da ventilação imposta pela covid-19.

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São 18h26 e eu estou a sair do meu turno como recepcionista em part-time numa escola onde estou enregelada por causa da ventilação imposta pela covid-19.

Enquanto termino de responder ao último e-mail do meu turno, preparo o guião que estou a escrever para um curso que estou a fazer em Los Angeles e tiro notas no iPhone para um copy que tenho de terminar para o site de uma marca para a qual estou a trabalhar, ao mesmo tempo que penso no que responder a uma aluna que me manda um SMS com dúvidas sobre a aula que lhe dei esta manhã.

Sim, sou uma millennial e faço parte da geração à rasca, a geração que não viveu uma guerra ou uma ditadura, mas que vive na sombra de uma mentalidade a quem é exigido que fale inglês fluentemente, apesar do custo das aulas ser metade do salário mínimo — valor líquido com o qual a maioria dos “sortudos” que tem o privilégio de ter trabalho tem que viver. Uma geração que viveu pelo menos duas crises e uma pandemia e a quem mataram o conceito de estabilidade antes de sequer a acordar para um mercado de trabalho para a qual não estava preparada porque “ouviu poucos “nãos”. Uma geração que aprendeu a viver numa precariedade que não lhe permite alugar um T0 a não ser que metade dos encargos seja assegurada pela geração anterior.

Uma geração que aprendeu que deve estudar e aguentar a falta de reconhecimento e um conjunto de situações injustas porque não vai mudar o mundo e que resiliência se justifica em prol de uma estabilidade que não existe.

Uma geração que foi obrigada a decorar a tabela periódica e os nomes dos reis que estiveram na vanguarda dos “Descobrimentos”, onde se enaltece e espírito aventureiro e se omite a chacina aos direitos humanos, mas a quem não se deu qualquer formação sobre como preencher uma declaração de IRS, uma declaração trimestral para a Segurança Social nem tão pouco como emitir um recibo no Portal das Finanças. E a quem se apresentam coimas de valor igual ou superior ao salário médio mensal como penalização à ignorância de um conhecimento que deveria ter sido previamente adquirido de forma autodidacta.

Sim, sou da geração que se atrasou muito para existir. Da geração do que foi e que já não deixa de ser. Ainda assim, a razão do meu texto não é ser um muro de lamentações, mas antes um alerta para o que foi e não deve ser. Agora. Na próxima geração.

Há uma nova geração cheia de força e de medos que precisa de nós. Uma geração que merece poder fazer diferente. A geração que se segue à nossa. A geração Z. Não é por acaso que são a última letra do abecedário, estão a ditar o fim de uma era e o início de uma nova forma de escrever e não reescrever a história.

É obrigatório parar os olhos sobre esta geração cool pós-2000, porque é através deles e com eles que podemos descobrir e recuperar o que perdemos entre crises e escalas de horários: a sinceridade, a sensibilidade e atenção ao outro, a motivação, o sentido de justiça, o reconhecimento, o valor do brutalmente honesto sem filtros nem segundas intenções, a vida para além do trabalho. Vê-los e ouvi-los é receber uma injecção do que realmente importa, e é tornarmo-nos imunes não a um vírus ou a uma pandemia, mas a algo muito mais importante ao julgamento alheio e à pressão do que devíamos ou não ser.

Nós somos os adultos agora, os papéis já se inverteram e temos a obrigação de sair da nossa bolha e de olhar para esta geração que está cheia de power e de luta pelos direitos humanos. Temos o dever moral de lhes abrir caminhos para que sigam o que realmente gostam e para que consigam perceber de forma transparente e livre quem realmente são. Está nas nossas mãos criar condições para que os sonhos deles se atravessem num mundo sem tabus, censuras ou conservadorismos que protegem apenas aqueles que pretendem criar ascendentes.

Hoje o mercado de trabalho desta nova geração não é Portugal nem as chefias da velha guarda que impõem um distanciamento em que o tratamento por “você” é privilegiado e os cinco dias úteis para se fazer o luto de um filho são moralmente aceite. O mercado da nova geração é o mundo. Através da Internet e do trabalho remoto, podem trabalhar para o mundo todo.

Esta nova geração de adolescentes, que coexistem todos os dias com a sensação de que não sabem o que estão a fazer nem o que são, estão muito mais próximos do que verdadeiramente são e do que realmente devem ser do que qualquer um de nós. Costumo dizer que as crianças e os adolescentes são os adultos que ainda não foram estragados. Mas a verdade é que são muito mais que isso: estes novos adolescentes não são o futuro do que nós somos, são o futuro do que nós devíamos ser.

Agradeço à Catarina, à Marina e ao Tiago, os adolescentes mais fixes da cidade, por darem tanto do que são e me mostrarem tanto do que somos.