Políticas de saúde mental (s)em debate
Infelizmente, o tempo de antena utilizado pelo partidos para discorrer acerca da prisão perpétua, da castração química ou até dos animais de companhia foi tragicamente superior ao dedicado à saúde mental
Em plena época natalícia, e apontando prioridades para o ano 2022, Marcelo Rebelo de Sousa assinou um artigo de opinião no jornal PÚBLICO no qual enfatizou a necessidade urgente de se investir no combate à pobreza e na promoção da saúde mental dos cidadãos. O Presidente da República é um político experiente e, como tal, era por demais evidente que a sua mensagem tinha uma intenção subjacente: colocar estes temas no centro da campanha eleitoral para as eleições legislativas que se aproximavam.
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Em plena época natalícia, e apontando prioridades para o ano 2022, Marcelo Rebelo de Sousa assinou um artigo de opinião no jornal PÚBLICO no qual enfatizou a necessidade urgente de se investir no combate à pobreza e na promoção da saúde mental dos cidadãos. O Presidente da República é um político experiente e, como tal, era por demais evidente que a sua mensagem tinha uma intenção subjacente: colocar estes temas no centro da campanha eleitoral para as eleições legislativas que se aproximavam.
O facto de o supremo magistrado da Nação ter chamado a atenção para a problemática da saúde mental constituiu um extraordinário contributo para a promoção de uma consciencialização coletiva em torno da mesma. Portanto, seria expectável que os partidos políticos estivessem atentos e soubessem agarrar esta oportunidade para colocar o tema em cima da mesa, esgrimindo argumentos acerca do mesmo ao longo da campanha eleitoral. Infelizmente, o tempo de antena que utilizaram para discorrer acerca da prisão perpétua, da castração química, ou até mesmo do Zé Albino e restantes animais de companhia, foi tragicamente superior àquele que dedicaram ao debate em torno das políticas de saúde mental.
Dada a escassa discussão acerca do tema, resta-nos olhar para os programas eleitorais de cada partido político, e aí há tendências que parecem evidentes. Mais à esquerda, PS, BE, PAN e Livre apresentam propostas que vão no sentido de implementar o Programa Nacional para a Saúde Mental. Tratando-se este de um programa atual, amplamente consensualizado entre os profissionais de saúde mental e perfeitamente comparável com aquela que é a realidade das políticas de saúde mental noutros países europeus (em particular nos países do Norte da Europa), investir na sua implementação parece uma aposta acertada.
É certo que o PS e o BE, em maior ou menor nível, já detiveram o poder executivo ao longo dos últimos seis anos e não concretizaram este intento, pelo que é inevitável olhar para as suas propostas com alguma desconfiança; ainda assim, neste momento, os fundos do Plano de Recuperação e Resiliência abrem uma nova janela de esperança para a reforma da saúde mental em Portugal
Já a CDU é menos clara na abordagem às políticas de saúde mental, limitando-se a propor um aumento da dotação financeira para esta área.
Por outro lado, nos partidos mais à direita, o destaque vai para a Iniciativa Liberal, que dentro do setor da Saúde apresenta uma secção integralmente dedicada à saúde mental e coloca em cima da mesa temas como o combate ao estigma, o reforço da psicoterapia ou o aumento da acessibilidade dos cuidados de saúde mental aos cidadãos. Ainda assim, não são totalmente claras as estratégias de operacionalização destas propostas, o que suscita algumas dúvidas acerca da sua exequibilidade.
O PSD propõe-se a introduzir no Serviço Nacional de Saúde uma política de saúde mental, uma proposta de difícil compreensão na medida em que tal já existe há largos anos.
O CDS-PP propõe o reforço de recursos humanos de saúde mental nos hospitais e na linha SNS24, mas deixa completamente de parte o fundamental investimento na saúde mental comunitária, algo que, a concretizar-se, constituiria um profundo retrocesso nas políticas de saúde mental em Portugal. Finalmente, o Chega não apresenta no seu programa eleitoral qualquer proposta, ou sequer menção, no domínio das políticas de saúde mental.
Os dados estão lançados e, face à informação disponibilizada por cada partido político, caberá agora aos portugueses decidir. Contudo, num contexto pandémico que deixou algumas marcas na saúde mental dos portugueses, ainda que aparentemente menores do que se previa no início da pandemia, lamenta-se que a discussão acerca das políticas de saúde continue a realizar-se, essencialmente, em torno de temas como as listas de espera para cirurgias ou para primeiras consultas. A saúde mental também importa, e enquanto os partidos políticos não o compreenderem de forma clara e inequívoca, os cidadãos ficarão sempre a perder.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico